Que os opostos se atraem todo mundo sabe. Quanto mais diferentes, mais as pessoas encontram razões para fortalecer seus vínculos, sem que seja necessário renunciar à própria essência, sem que ninguém se veja forçado a assumir outra cara. Não pode haver prova de amizade maior que aquela que ignora todos os defeitos do outro, suas más ações, a insistência em comportamentos no mínimo reprocháveis, e se esforça por fechar os olhos ao que reputa como um qualquer estranhamento, na certeza de farão juntos coisas grandiosas. A benquerença de uma garota e uma traquitana de outra época vai se afirmando até que os dois virem um só em “Bumblebee”, a adorável ficção científica na qual Travis Knight contrabalança ação e cenas inspiradoras, mérito seu e de sua heroína. A prequela de Knight para “Transformers: O Despertar das Feras” (2023), dirigido por Steven Caple Jr., o único longa da franquia sem a chancela de Michael Bay, presta-se a respiro estratégico da balbúrdia conceitual da derradeira produção da série, epílogo melancólico de uma trama delirante.
Em Cybertron, B-127, um Autobot caído em desgraça, é perseguido por uma horda de Decepticons, os robôs autônomos do mal. Existem uns poucos lugares na galáxia onde B-127 pode se esconder, e a Terra, com seus oito bilhões de pessoas em cerca de 150 milhões de quilômetros quadrados, parece-lhe o mais conveniente. O roteiro de Christina Hodson frisa a ambivalência moral da decisão do ciborgue, ciente de que, se porventura descoberto, pode ser mensageiro do apocalipse, uma vez que os Decepticons não soem deixar barato e se voltariam contra toda a população. Os irretocáveis efeitos especiais da equipe supervisionada por Scott R. Fisher registram as eletrizantes batalhas iniciais entre B-127 e a facção rival, e na última sequência, o robozinho camarada não resiste, despenca à beira de um riacho e sofre uma grave pane. Nesse momento, a narrativa pula para Brighton Falls, cidadezinha litorânea nas imediações de San Francisco, Califórnia. É uma manhã ensolarada de 1987; o radiorrelógio toca às oito e uma família de classe média padrão toma as providências para um novo dia. Charlie, a filha mais velha, escova os dentes, e desce para fazer a primeira refeição do dia, preparada por ela mesma. Hodson e Knight encontram as brechas exatas para desenvolver a mocinha, a começar pelo expediente no parque de diversões local, depois de levar o irmão caçula à aula de caratê. Hailee Steinfeld agarra sua personagem com toda a força de que é capaz, como, por exemplo, nas ocasiões em que Charlie é hostilizada por colegas de classe abusivos que humilham-na. O encontro da garota com B-127 — que por motivos um tanto farsescos vai parar na garagem da família — soa-lhe como uma autorrevelação, e o híbrido de Volkswagen com uma criatura de algum lugar muito, muito distante, é tudo quanto o público deseja.
Novos enfrentamentos, agora entre B-127, chamado de Bumblebee pela personagem de Steinfeld, e humanos que o querem eliminar, sacodem boa parte do segundo ato, alongando-se até o encerramento, quando Decepticons voltam para assombrá-lo. Se Bumblebee é obrigado a incorporar uma característica tipicamente nossa e crescer, Charlie o acompanha, até que cada qual tem de seguir seu caminho, talvez com o nerd Memo, de Jorge Lendeborg Jr., seu consorte nessa primeira luta do bem contra o mal. Mas a trilha de Dario Marianelli, com pérolas do pop dos anos 1980 a exemplo de “Don’t You (Forget About Me) (1985), dos escoceses do Simple Minds, ameniza qualquer drama impróprio para coraçõezinhos ingênuos, como que batendo descompassados junto à ponte Golden Gate.
Filme: Bumblebee
Direção: Travis Knight
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 8/10