O filme na Netflix que arrastou uma legião de fãs aos cinemas Will McCoy / Paramount Pictures

O filme na Netflix que arrastou uma legião de fãs aos cinemas

Que os opostos se atraem todo mundo sabe. Quanto mais diferentes, mais as pessoas encontram razões para fortalecer seus vínculos, sem que seja necessário renunciar à própria essência, sem que ninguém se veja forçado a assumir outra cara. Não pode haver prova de amizade maior que aquela que ignora todos os defeitos do outro, suas más ações, a insistência em comportamentos no mínimo reprocháveis, e se esforça por fechar os olhos ao que reputa como um qualquer estranhamento, na certeza de farão juntos coisas grandiosas. A benquerença de uma garota e uma traquitana de outra época vai se afirmando até que os dois virem um só em “Bumblebee”, a adorável ficção científica na qual Travis Knight contrabalança ação e cenas inspiradoras, mérito seu e de sua heroína. A prequela de Knight para “Transformers: O Despertar das Feras” (2023), dirigido por Steven Caple Jr., o único longa da franquia sem a chancela de Michael Bay, presta-se a respiro estratégico da balbúrdia conceitual da derradeira produção da série, epílogo melancólico de uma trama delirante.

Em Cybertron, B-127, um Autobot caído em desgraça, é perseguido por uma horda de Decepticons, os robôs autônomos do mal. Existem uns poucos lugares na galáxia onde B-127 pode se esconder, e a Terra, com seus oito bilhões de pessoas em cerca de 150 milhões de quilômetros quadrados, parece-lhe o mais conveniente. O roteiro de Christina Hodson frisa a ambivalência moral da decisão do ciborgue, ciente de que, se porventura descoberto, pode ser mensageiro do apocalipse, uma vez que os Decepticons não soem deixar barato e se voltariam contra toda a população. Os irretocáveis efeitos especiais da equipe supervisionada por Scott R. Fisher registram as eletrizantes batalhas iniciais entre B-127 e a facção rival, e na última sequência, o robozinho camarada não resiste, despenca à beira de um riacho e sofre uma grave pane.  Nesse momento, a narrativa pula para Brighton Falls, cidadezinha litorânea nas imediações de San Francisco, Califórnia. É uma manhã ensolarada de 1987; o radiorrelógio toca às oito e uma família de classe média padrão toma as providências para um novo dia. Charlie, a filha mais velha, escova os dentes, e desce para fazer a primeira refeição do dia, preparada por ela mesma. Hodson e Knight encontram as brechas exatas para desenvolver a mocinha, a começar pelo expediente no parque de diversões local, depois de levar o irmão caçula à aula de caratê. Hailee Steinfeld agarra sua personagem com toda a força de que é capaz, como, por exemplo, nas ocasiões em que Charlie é hostilizada por colegas de classe abusivos que humilham-na. O encontro da garota com B-127 — que por motivos um tanto farsescos vai parar na garagem da família — soa-lhe como uma autorrevelação, e o híbrido de Volkswagen com uma criatura de algum lugar muito, muito distante, é tudo quanto o público deseja.

Novos enfrentamentos, agora entre B-127, chamado de Bumblebee pela personagem de Steinfeld, e humanos que o querem eliminar, sacodem boa parte do segundo ato, alongando-se até o encerramento, quando Decepticons voltam para assombrá-lo. Se Bumblebee é obrigado a incorporar uma característica tipicamente nossa e crescer, Charlie o acompanha, até que cada qual tem de seguir seu caminho, talvez com o nerd Memo, de Jorge Lendeborg Jr., seu consorte nessa primeira luta do bem contra o mal. Mas a trilha de Dario Marianelli, com pérolas do pop dos anos 1980 a exemplo de “Don’t You (Forget About Me) (1985), dos escoceses do Simple Minds, ameniza qualquer drama impróprio para coraçõezinhos ingênuos, como que batendo descompassados junto à ponte Golden Gate.


Filme: Bumblebee
Direção: Travis Knight
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 8/10