Eddie Huang na Netflix: uma história que toca diretamente o coração ao abordar os desafios da solidão e do amadurecimento Divulgação / Focus Features

Eddie Huang na Netflix: uma história que toca diretamente o coração ao abordar os desafios da solidão e do amadurecimento

Para muita gente, ganhar dinheiro é parte de um processo árduo, dolorido, moroso, em que, antes de qualquer outra coisa, é necessário aceitar-se. Viver na corda bamba do acondicionamento à opinião alheia quanto ao que somos ou deixamos de ser, como nos portamos ou não, e enquanto isso, o mundo constrói suas muralhas e fossos ao nosso redor. A vida não é um concurso de popularidade, e em sendo assim, cada um faça o que deve ser feito, cuide dos seus interesses e procure o antídoto para os venenos que será forçado a tomar.

Boogie, o personagem-título do filme de Eddie Huang, abandona a ingenuidade que caía-lhe tão bem, mas acaba por ser-lhe um estorvo, para jogar conforme as regras que alguém criou muito antes que ele soubesse reclamar. Huang, que além de assinar o roteiro faz uma participação afetiva no longa, capta o preconceito, velado ou nem tanto, que define a trajetória de um jovem taiwanês-americano e sua busca por sucesso e fortuna.

Luzes vermelhas anunciam os serviços de uma vidente como se se tratasse de um lupanar em Flushing, centro-norte do Queens, em Nova York. O ano é 2001; um casal asiático recorre à mística na esperança de conseguir alguma orientação para suas crises matrimoniais, agravadas com o iminente nascimento do filho numa conjuntura de dificuldades que o texto de Huang não explica bem. A cena corta para 2021; o bebê é o Alfred, homem feito que dorme no banco de trás de um Hyundai dirigido pelo tio, Jackie, vivido pelo próprio diretor-roteirista, e Alfred, também conhecido como Boogie, está a caminho da primeira aula na universidade, uma conquista impossível se não fosse o basquete.

Taylor Takahashi confere a seu anti-herói as tantas demãos de emoções contraditórias, pavor e bravura, inibição e atrevimento, e entra na sala de Literatura Avançada do professor Richmond, de Steve Coulter, disposto a se superar. Eleanor, uma aluna em situação de vulnerabilidade social quase tão acentuada quanto a sua chega atrasada, e cita “Free Willy” (1993), o drama infantil de Simon Wincer, quando Richmond pede-lhe uma história sobre amadurecimento à “O Apanhador no Campo de Centeio” (1951), de J.D. Salinger (1919-2010). O ar a um só tempo petulante e desarmado de Taylour Paige responde por muito do carisma do filme.

No meio do segundo ato, Huang destrincha o mote da ascensão profissional de Boogie, de partidas esporádicas na universidade ao ingresso na Chinese Basketball Association, a associação chinesa do esporte, pelo Shanghai Sharks. A necessidade de se mudar para a China justo no momento em que começava a se apaixonar por Eleanor e a urgência de provar a si mesmo que tem o dom que sempre pensou ter, enfrentando ainda a pressão da mãe, personagem de Pamelyn Chee, passa ao centro da trama, com Takahashi à altura de um intérprete seguro, equilibrado e cativante.


Filme: Boogie
Direção: Eddie Huang
Ano: 2021
Gêneros: Drama/Thriller/Coming-of-age
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.