Era outono e eu buscava luz. A tristeza no meu peito desandou. Era um sentimento verdadeiro que não passava nem um dia de um fato consumado. Balas cantavam na região da Faixa de Gaza e não tinha como fugir da realidade, pelo oceano, em direção a Malásia ou a Linha do Equador. A maldade humana parecia uma sina a sussurrar eu te devoro. Eu sempre recorria à boa música como uma espécie de alumbramento para apaziguar a angústia. Me arvorei em Djavan. Assisti à homenagem que o apresentador Marcos Mion fez para ele num programa de televisão. Foi bonito de se ver. E emocionante também. Bateu forte como uma lambada de serpente. Djavan chorou. Sempre que um ídolo chorava, eu chorava junto, surpreso ao me lembrar que as celebridades eram cidadãos comuns com sentimentos ordinários. Ninguém era impassível como uma esfinge. Carecia reconhecer e homenagear as pessoas adoráveis enquanto ainda estavam vivas por aí. Achei uma nobreza que o iluminado Mion utilizasse aquelas palavras para consolar o genial músico alagoano. O meu coração acelerou, acelerou, numa profusa correnteza de sentimentos. Fiquei com Djavan na cabeça durante vários dias. Ouvi o seu repertório reiteradas vezes. Catei o violão para ver se ainda me lembrava de algumas das suas canções. Eram difíceis de se tocar. Os acordes eram quase sempre incomuns, dissonantes, desafiadores para um instrumentista vulgar como eu. Nereci — o meu bem querer, uma morena de endoidecer, uma alegre menina, doce como açaí — perguntou por que eu andava estranho nos últimos dias. Só eu sabia as esquinas que atravessei. Ela pousou os olhos de azul topázio sobre mim, feito a pétala de uma flor de lis. “Nem um dia, eu lhe quero ver triste; sorri quando tudo terminar”, ela me disse numa amorosa e delicada estratégia para seduzir. Um amor puro, puro, puro tinha dessas inconsistências atemporais, era um típico sentimento milagreiro. Meu coração acelerou numa sensação de que ainda ficava faltando um pedaço para que eu me tornasse feliz. Doidice de um samurai com coração cigano. Mal de mim. Eu não tinha um álibi. Porque o meu coração era uma ilha a centenas de milhas dali.
*Como forma de tributo, este texto foi construído com a inserção de títulos das mais célebres canções compostas por Djavan, um dos mais geniais artistas da música popular brasileira.