Depois que li “Ioga”, de Emmanuel Carrère, dei de cara com três livros dele no sebo. A leitura de “Ioga” foi incentivada por algumas newsletters. Fiquei com a impressão de que todo mundo se derreteu por essa narrativa. Os livros que trouxe pra casa são “Limonov”, “O Reino” e “Outras Vidas que Não a Minha” (o primeiro que foi devorado).
Imagino que seja uma boa introdução. Embora esteja na hora de intercalar Emmanuel Carrère. Dar uma pausa antes de encarar os títulos que me esperam. Surfar na onda deste francês é complicado por um desgaste causado na emoção.
A prosa flui de maneira admirável e, desse ponto de vista, não há do que reclamar. O fato dele se colocar na história facilita uma proximidade sem muita reserva, no primeiro momento. A questão é que ele apresenta inflexões incômodas. As tramas enveredam por aspectos lúgubres e desagradáveis de personagens em estado de sofrimento profundo.
Emmanuel Carrère não faz concessões. Se topamos acompanhá-lo em sua topografia, vamos até o fim preparados para cenas que irão revirar nossas vísceras e mexer com nosso entendimento de equilíbrio ou do que venha ser uma espiral da vertigem.
“Ioga” é acachapante porque ele fala de si mesmo. Em “Outras Vidas que Não a Minha”, por suposto, ele é mais um observador que protagonista. Ambos descem os círculos do inferno. Dizer que terminam com um sopro de esperança não significa o aceno de uma redenção. O desassossego é permanente em Emmanuel Carrère.
No entanto, ele preserva a dimensão do humano ao explorar o terror imanente às fraturas da vida. Como se nos lembrasse que somos capazes e estamos sujeitos às piores mazelas e diatribes não em função do capricho de um demiurgo, como o destino ou que nome você queira dar aos desconhecidos tutores das nossas linhas emaranhadas.
A culpa não é dos deuses. O acaso é o nome do incompreensível. Quando achamos que estamos no controle é que somos atingidos pelo nada que nauseia. As explicações não cabem no receptáculo da dor, que tem origens diversas. O contato com o esfacelamento nos aproxima da solidariedade. É o atrito que gera luz. O excesso leva ao palácio da sabedoria pelo caminho da crueldade. O preço que se paga pelo privilégio da existência.
Ao mesmo tempo, contar essas histórias não deixa de ser uma tentativa (desesperada ou não) de ordenar um sentido para cada uma delas. Na literatura, ao menos. Onde Emmanuel Carrère tem o domínio do texto.