Quem parou no tempo? A arte ou a crítica?

Quem parou no tempo? A arte ou a crítica?

Em um artigo publicado na “New York Times Magazine”, assinado por Jason Farago e intitulado ‘Why the culture has come to a standstill’ (‘Por que a cultura parou?’), o autor afirma que o que tem sido produzido em termos culturais recentemente, especialmente após os anos 1990, é o menos inventivo ou inovador dos últimos 500 anos. Ele sugere que isso não é tão ruim quanto parece, mas sua abordagem já começa de maneira equivocada. De acordo com a forma como ele descreve a enumeração de referências artísticas atuais que consome — e que admite consumir com prazer —, seria necessário que a Idade Média não tivesse produzido nada para ser considerada menos inventiva.”

Consideremos pelo menos um exemplo que já comprova que ele não tem amplo conhecimento sobre o período ou foi simplesmente superficial: todos hão de concordar comigo que a “Divina Comédia” foi bastante revolucionária; tanto conceitualmente, ao incutir no inconsciente coletivo a ideia dos sete pecados capitais, quanto estilisticamente, a ponto de Voltaire e Goethe, mesmo séculos depois e sendo ícones da tolerância com o que era diferente, acusarem-na de extravagância e mau gosto, criticando a escolha de algumas palavras na comédia que não deveriam estar presentes na poesia, por serem vulgares e a poesia uma arte elevada, como nos conta Erich Auerbach. (Isso em 1321, quando se estima que tenha sido terminada uma das mais consagradas obras da literatura.)

Jason Farago, finalista do prêmio Pulitzer em crítica de 2023, mestre em história da arte e autor do artigo, faz uma breve revisão das vanguardas modernistas e de sua recepção em seu tempo, e menciona outra crítica de arte, Susan Sontag, sobre como as vanguardas daquela época aconteciam tão rapidamente que não se tinha tempo de respirar. Em seguida, ele apresenta um panorama de como é impossível fazer um retrato do presente, já que a moda acumulou tantas referências do passado que, ao ver uma foto de alguém com calça jeans, não se saberia dizer se é de hoje ou de qualquer outro ano desde sua invenção. A metáfora que ele utiliza para ilustrar a cultura atual é uma roda-gigante de pastiche sem destino.

Pastiche é uma obra cultural que imita outras, e esse termo também aparece com frequência em alguns ensaios de outro crítico, em 2006, Affonso Romano de Sant’Anna. No livro “A Cegueira do Saber”, ele faz vários libelos contra a “pós-modernidade”, acusando-a de ser excêntrica, em favor de uma arte “concêntrica”, hierárquica, coesa, objetiva ou, no mínimo, equilibrada entre essa dualidade. No texto “O desafio do contemporâneo”, ele sugere uma direção a partir das lições aprendidas de seu tempo:

Aprendemos que o mundo não pode mais ser concebido como uma construção dualista entre o certo e o errado, já que dois mais dois nem sempre são quatro.

Mas, no abismo da pós-modernidade, dolorosamente estamos aprendendo que não é possível ter uma vida pessoal ou social sem estabelecer limites estratégicos e sem um projeto crítico e histórico. É como se, daquele mundo com estruturas rígidas, tivéssemos transitado para o oposto, para um estado de anomia, onde tudo equivale a tudo.

Portanto, trata-se agora de superarmos esses dois radicalismos, de digerirmos o que há de substancial na cultura contemporânea e de expelirmos o resto para que o organismo sobreviva.

Dois textos depois, ele critica os flash mobs, e é perfeito, pois isso é muito característico de 2006!

Ambos os textos revelam um medo sutil da anomia, uma ausência total de regras para a produção cultural, o que não parece legítimo, já que muitos autores ainda sentem fortemente as amarras do tradicionalismo ou de um neotradicionalismo da pós-modernidade. Como exemplo do segundo caso, temos uma alegoria de David Foster Wallace em uma entrevista para Larry McCaffery na “Review of Contemporary Fiction”, de 1993:

“Para mim, esses últimos anos da pós-modernidade pareceram mais ou menos como aquela situação em que você está no ensino médio e os seus pais vão viajar e você promove uma festa. Por um tempo, isso é fantástico, é livre e libertador, a autoridade parental desapareceu, foi derrubada, um festim dionisíaco do tipo ‘o gato saiu, vamos dançar’. Mas depois o tempo passa, e a festa vai se tornando cada vez mais barulhenta, e as drogas acabam, e ninguém mais tem dinheiro para comprar mais, e coisas foram quebradas e derramadas, e há uma queimadura de cigarro no sofá, e você é o anfitrião, e aquela casa também é sua, e você gradualmente começa a desejar que os seus pais retornem e restaurem um pouco da ordem na maldita casa. […] E, claro, não nos sentimos confortáveis com esse desejo — quero dizer, o que estamos pensando? Somos tão covardes assim? Será que precisamos realmente de alguma autoridade e limites? E então vem o sentimento que nos deixa ainda mais desconfortáveis, à medida que percebemos gradualmente que, na verdade, os pais nunca mais vão voltar — o que significa que teremos de ser esses pais.” (Tradução de Sarah Grünhagen e Caetano W. Galindo).

A entrevista aconteceu três anos antes de ele lançar “Infinite Jest” (“Graça Infinita”), um livro que direcionou os caminhos da literatura na metamodernidade. A estética da aparente anomia causa desconforto àqueles já acostumados a consumir as fórmulas lúdicas da hegemonia ocidental. Um exemplo é o crítico considerado o maior do século 20 (e versado no pós-estruturalismo, tendo conhecido Derrida em Yale), que mencionou Wallace em seu “Cânone Americano”: “Estamos diante de uma crise de escala, quando as obras contemporâneas se mostram incapazes de sustentar suas ambições (‘Infinite Jest’, de David Foster Wallace; ‘Freedom’, de Jonathan Franzen).”

“Mas Stephen King é Cervantes comparado com David Foster Wallace. Não temos mais padrões. [Wallace] parece ter sido uma pessoa muito sincera e problemática, mas isso não significa que eu tenha que suportar lê-lo. Eu até ressentia o uso do termo de Shakespeare quando Hamlet se refere ao bobo da corte Yorick como ‘um sujeito de graça infinita’.”

“É meio que um tempo sombrio. A energia imaginativa, eu acho, é muito difícil de convocar quando há tantas distrações. Há uma espécie de lei de Grisham [na literatura]; o ruim expulsa o bom.” (Tradução de Sara Grünhagen e Caetano W. Galindo).

Ser crítico de arte nunca foi uma tarefa fácil, dada a subjetividade e a multiplicidade de abordagens possíveis. Uma das funções do crítico é conferir à produção cultural uma narrativa, não necessariamente coesa, mas assimilável e historicizada. O que os críticos renomados chamam de falta de inovação é apenas um deslocamento na lógica de produção que, devido à insensibilidade que por vezes acompanha o avanço da idade (um processo natural), eles não conseguem distinguir do que precedeu. Nas artes visuais, temos o chileno Guillermo Lorca Garcia, a brasileira Julia Jabur, a “nova escola de Leipzig”; em colagem, temos Franz Samsa; na fotografia, então, nem se fala; na música, o funk brasileiro explora ritmos inimagináveis pela tradição europeia; e os Memes levam o mundo a repensar autoria e valor, assim como ocorreu no alvorecer do samba coletivo. Novidade: que novidade!

Para concluir: minha esposa e eu temos um passatempo quando viajamos de carro… Alternadamente, escolhemos músicas de uma época específica para tocar no Spotify. Raramente erramos a época das músicas por uma margem superior a cinco anos. Portanto, é prudente medir suas palavras, parceiro.