Tive uma sorte danada em ter os ouvidos educados pelo que considero o melhor da música. Devo muito desse privilégio ao meu pai, que tinha um gosto eclético, o qual fluía da música caipira de raiz até os hits da música pop internacional. Quando eu e meus irmãos éramos crianças, ele tinha o hábito de nos acordar aos finais de semana com música em altos decibéis. Geralmente, utilizava sua coleção de discos de vinil chamada “Músicas Inesquecíveis”, que tinha seis volumes. A coisa toda parece ter funcionado muito bem, pois, nunca mais me esqueci, nem das obviamente inesquecíveis canções dos long-plays, nem da mania sui generis e generosa com a qual ele despertava a prole. Confesso, contudo, que nunca gostei das músicas de seresta que ele cantava no chuveiro ou durante a lida doméstica, mas achava gozado ouvi-lo a imitar o vozeirão de Nelson Gonçalves (que eu sempre confundia com Nelson Rodrigues, o sensacional cronista). O velho submeteu-me a uma educação rígida, ética, autoritária, que foi abrandada pelo sublime hábito de encher a casa e os nossos corações com música, música de primeira.
Tanto assim que, aos 12, aprendi a tocar violão e comecei a alimentar o desejo de me tornar músico profissional. Aposto que seria um fiasco. Meu ouvido musical, absolutamente, nunca foi bom. Minha voz era e continua sendo de qualidade mediana. Pior agora que já passei dos 50. Meu carisma no palco, uma piada. O velho demoveu-me do projeto no auge dos sonhos e da testosterona sopitando nas veias. A justificativa dada à época era que música não enchia a barriga de ninguém (isso lhes parece familiar?), logo, eu deveria buscar uma profissão com a qual pudesse me manter sozinho, financeiramente, sem as suas parcas mesadas, assim que eu saísse de casa. Ou ele sabia que eu não levava jeito para a coisa, ou foi um puro conselho conservador carregado de preconceito (golpe baixo, eu diria). Por questão de comodidade e de amor próprio, prefiro crer na segunda hipótese.
Esse viés da educação recebida em família explica o interesse especial que tenho pela música. Digamos que eu seja um leigo bastante interessado. Sinto-me feliz e aliviado por causa disso. Porém, não sou tão fofo e cult quanto possa parecer. Por exemplo, não saco de música instrumental nem clássica. Não tenho paciência. Não sei ouvir esse tipo de som. Também acho ópera um saco (sim, vocês podem me atirar as suas pedras ou me pagar um chope). São deslizes dos quais pretendo me redimir em breve, por meio de estudo e pesquisa.
Com a ajuda do editor dessa bem intencionada joça eletrônica, entabulei uma enquete entre os leitores da Revista Bula. Pedi que eles votassem nos dez melhores (os mais belos) duetos da música popular brasileira em todos os tempos. Cantores brasileiros cantando, em duplas, música brasileira. Houve uma avalanche de pérolas musicais por aqui. Após criteriosa apuração dos votos e dos palpites, ficou assim a nossa lista. Espero que papai a aprove. Eu adorei.