Indicada a 4 Oscars, obra-prima baseada em caso perturbador vai te deixar impactado Divulgação / A-Film Distribution

Indicada a 4 Oscars, obra-prima baseada em caso perturbador vai te deixar impactado

Homens são feitos de obsessões, mas há quem se deixe vencer pelos gostos e apetites que julga maiores que sua própria vida, lançando-se ao precipício para o qual também arrasta muitos, numa manobra tão perversa como terminante. John Eleuthère du Pont (1938-2010) não poupou esforços quanto a tornar concreto o sonho de se fazer notável, e à medida que ganhava espaço e ia cativando admiradores — para não mencionar o patrimônio de família de 14,3 bilhões de dólares, dos quais tinha direito a um bom naco —, suspeitava que o mundo devia-lhe bem mais.

Com “Foxcatcher – Uma História que Chocou o Mundo”, Bennett Miller embrenha-se corajosamente no pântano da vida de Du Pont, iluminando muito da personalidade para além do exotismo mórbido de um daqueles sujeitos visivelmente sem rumo, tomados pela névoa de sensações conflituosas que dinheiro nenhum tem o poder de amaciar. O texto pleno de minúcias de Dan Futterman e Eric Max Frye realça o vulto sombrio do bilionário, cuja profundidade dramática é de fato espantosa, e abre oportunas brechas para que dois personagens também digam a que vieram, fechando o arco e pondo a nu a verdadeira identidade de um facínora.

Dois marmanjos praticam luta de contato num tatame meio velho. Pouco depois, um deles comparece à Escola Primária McKinley, para falar a um auditório de crianças entediadas de uma cidadezinha do Utah, oeste dos Estados Unidos. Três anos antes, nos Jogos Olímpicos de Los Angeles de 1984, Mark Schultz ganhava o ouro no esporte do qual passou a ser um embaixador, mas se dependesse dessa atividade para viver, ganhando vinte dólares por palestra, não comeria nem o lámen aguado que prepara num misto de fúria e resignação.

Miller faz bom proveito das imagens sugeridas por Futterman e Frye, dominando a peça que inaugura o portentoso mosaico que se levanta em torno de Mark, o caçula dos Schultz, quando recebe os cartolas da Confederação Nacional de Luta Olímpica com entusiasmo ainda menor que o visto no encontro com os alunos da McKinley. Fica cada vez mais evidente o surdo desespero desse homem encurralado pela vida, com Channing Tatum admiravelmente confortável no papel, até nos lances em que o irmão, Dave, de Mark Ruffalo, rouba a cena encarnando a face mais luzidia da moeda. Também contando com uma medalha de ouro olímpica no currículo, o primogênito tem a vantagem de ser caloroso, solar, daí ser tão chocante o que lhe acontece, já na última sequência — este é um filme lento, na melhor acepção da palavra. O Du Pont vilanesco, por seu turno, aparece desde sempre, com Steve Carell no controle absoluto do antagonista, manifestando com intensidade variada a loucura de seu personagem, fiador de Mark na revitalização de sua carreira, improvável, exitosa e marcada por uma trágica covardia.


Filme: Foxcatcher – Uma História que Chocou o Mundo
Direção: Bennett Miller
Ano: 2014
Gêneros: Drama
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.