Está no receituário das frases filosóficas da internet, está nos conselhos dos youtubers: aconteça o que acontecer, não se apegue! O incentivo aos relacionamentos voláteis atuais tem disseminado a ideia de que é possível cruzar a vida sem se ater a urgência dos afetos e sentidos, ignorando sua convocação e seus inevitáveis atravessamentos de prazer e dor.
Desde muito antes, fomos condicionados a não lidar com as emoções, conduzidos a uma certa blindagem para o não sentir: “não foi nada”, “não precisa chorar”, “que bobagem essa tristeza”, “deixa pra lá”, afinal, “você é um homem ou um rato?”. Nossas percepções são correntemente ignoradas. Ora, estamos sentindo algo e ainda assim, temos que desacreditar em nossas percepções? Peraí, então tenho que acreditar que é delírio o meu sentir? Não mesmo! Se está calor, por favor, não me venha com esse casaco peludo de inverno. Enganar nossas sensações é realmente algo esquizofrenizante! O mesmo se dá nas relações afetivas, as pessoas começam a gostar, a se envolver e tantas vezes se veem compelidas a fingir que não estão sentindo o que de fato estão sentindo. Acabam abandonando antes de serem abandonadas. Ou o avesso, a exemplo do “workaholic” que trabalha inesgotavelmente, para não chegar em casa e ter que dar de frente com casamento que está pedindo socorro, ou mesmo, dar-se conta de um sentimento que já não há. E assim, portanto, a vida segue anestesiada.
Os relacionamentos estão cada vez mais miseráveis, passando fome de estima, minguando na superficialidade de um, dois encontros e adeus. Escapam ao envolvimento, às prováveis frustrações que, inevitavelmente, são requisitos para o amadurecimento de qualquer relação. Ao compactuarmos com essa repetida desonestidade que acometemos a nós, tornamo-nos pessoas cada vez mais rasas, sem a menor possibilidade de mergulho. Amigos rasos, amantes rasos, filhos rasos, pais rasos, gente rasa. A profundidade para tais pessoas é assustadora, portanto mantêm-se por ali, numa segurança fingida, anulando a vida enquanto dão braçadas rentes ao chão. Não há fundo! Arriscar tal mergulho nessas condições é prenunciar traumatismo craniano de qualquer relação.
Sabe, prefiro seguir os versos do Vinicius de Moraes e acreditar em mergulhos desmedidos, mesmo arriscados, nos quais é possível fechar os olhos, pular e ouvir os sobressaltos do coração batucando arritimado de tanto sentir extasiar a existência; “porque a vida só se dá pra quem se deu, pra quem amou, pra quem chorou. Ah, quem nunca curtiu uma paixão nunca vai ter nada, ai de quem não rasga o coração.”
O bonito dessa vida é poder bordar-se no outro, mesmo que mais tarde seja preciso remendar-se outra vez.