Filme belíssimo sobre resiliência e fé acaba de chegar na Netflix Divulgação / Caramel Films

Filme belíssimo sobre resiliência e fé acaba de chegar na Netflix

O cinema nos traz percepções de diferentes realidades. Muitas vezes é mais eficaz em informar, denunciar e criticar que notícias, reportagens e materiais jornalísticos, porque sua linguagem é mais ampla, democrática, gráfica. O cinema nos ensina o que é empatia de forma muito didática. Em “O Lugar da Esperança”, drama irlandês de 2020, somos transportados para a realidade de Sandra (Clare Dunne), uma mãe e esposa vítima de violência doméstica. Após planejar fugir com suas duas filhas, Molly (Molly McCan) e Emma (Ruby Rose O’Hara), e ser flagrada pelo marido, ela é espancada por ele na cozinha de casa, sob o olhar assustado de Molly, enquanto Emma consegue fugir e pedir socorro para a mãe. A cena é bastante ilustrativa e realista.

O filme foi coescrito pela própria atriz que interpreta a protagonista, Clare, que também estrelou “Homem-Aranha: Longe de Casa”. Ela queria contar uma história que falasse com sua geração. “O Lugar da Esperança” é realmente uma narrativa universal, porque em todos os países do mundo, mulheres que lutam pela guarda de seus filhos e são agredidas por seus maridos sofrem com o machismo institucional e estrutural, e precisam guerrear contra um sistema que mais ajuda os agressores que as vítimas. Após ser resgatada pela polícia e entrar em um programa social, ela passa a receber um minúsculo auxílio moradia que não resolve muito sua situação. Trabalhando em um bar e sem ajuda para cuidar das filhas pequenas, ela necessita da boa vontade e da compreensão das pessoas para conseguir levar sua rotina complicada. Mas essas mesmas pessoas nem sempre são tão empáticas assim.

O chefe ameaça demití-la caso ela continue a levar as filhas para o trabalho. O apartamento que ela visita com as meninas parece mais um cativeiro, com paredes descascadas, piso manchado, mofos e infiltrações. O preço do aluguel é mil euros. Depois de ouvir o proprietário anunciar o valor exorbitante para um imóvel tão decrépito, ela irrompe porta afora com as crianças.

Mas uma amiga surge em seu caminho, iluminando aquela estrada escura e sem esperanças. Peggy (Harriet Walter) oferece o quintal da própria casa para Sandra, para que ela erga ali suas paredes. Com ajuda de uma comunidade amorosa e sensível, ela finalmente começa a construir seu lar. Mas sua luta contra o ex-marido Gary (Ian Lloyd Anderson) está longe do fim.

As gravações de “O Lugar de Esperança” tiveram de ser interrompidas por conta da pandemia de Covid-19. Clare e Ian continuaram conversando sobre seus personagens, neste ínterim, para que o sentimento de estar na pele deles não se perdesse. Conforme o isolamento social avançava, a Irlanda registrava um aumento de 25% nos casos de violência doméstica. Mas isso não aconteceu só por lá. O Brasil também viu seus indicadores explodirem. Naquele momento, mulheres e crianças se viam trancafiadas 24 horas por dia com seus agressores: pais e maridos.

O filme coescrito com Malcolm Campbell, com direção de Phyllida Lloyd, mostra como o sistema falha repetidamente com mulheres vítimas de agressão. Um dos casos que os inspirou durante sua escrita foi o de um julgamento de estupro em que a vítima foi questionada sobre sua própria culpa no crime. Cenas como essa são comuns e fazem com que mulheres vítimas de algum tipo de violência desistam de denunciar seus agressores. Há um medo de reviver o terror e, ainda pior, de ser culpabilizada.  

“O Lugar da Esperança” retrata uma mulher que nada contra a maré, que encontra resiliência dentro de si para sobreviver, porque sabe que não há outra escolha para sua vida e para as filhas. O filme se tornou praticamente uma missão para Clare Dunne, que fez questão de levá-lo para festivais, inclusive Sundance, e salas de cinema, para comunicar com outras mulheres vítimas de abuso e denunciar a situação.


Filme: O Lugar da Esperança
Direção: Phyllida Lloyd
Ano: 2020
Gênero: Drama
Nota: 8/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.