No deslumbrante cenário do interior da Normandia, é apresentado “Gemma Bovery”, dirigido pela cineasta luxemburguesa Anne Fontaine. O filme é protagonizado por duas figuras de distintas origens: de um lado, temos o observador atento e com vasta bagagem literária, interpretado magistralmente por Fabrice Luchini, ator francês que honra a arte dos Lumière; do outro, a atriz inglesa Gemma Arterton, que, apesar de seu desempenho por vezes burocrático, destaca-se nas cenas sensuais, nas quais exibe todo seu conhecimento pessoal. Ela se destaca da maioria dos atores ingleses que, frequentemente, possuem uma sólida formação teatral.
Por ter uma bagagem literária adquirida junto à intelectualidade parisiense e por ter abandonado Paris para ir viver no interior da Normandia como boulanger, Martin Joubert (Luchini) não consegue se desvencilhar da literatura ao abraçar um novo mundo, mesmo porque a vida pacata que passou a viver não coaduna com todo o conhecimento adquirido nos livros. Isto se apresenta cristalino pelas conexões que faz da vida cotidiana com a vida real. Tal fato se acentua quando ele percebe que um casal inglês se muda para essa mesma cidade onde vive e se tornam seus vizinhos, morando em uma casa bem em frente à sua.
Desde então, ele interage consigo mesmo, trazendo à tona a semelhança, mesmo que vaga, do romance escrito por Gustave Flaubert, “Madame Bovary”, que escandalizou meio mundo hipócrita. Na verdade, ao vê-los se instalarem, Martin já os tem como os personagens vivos de Flaubert, e o que lhe atordoa é saber como será o final desse idílio amoroso.
Diante dessa perspectiva que se lhe apresenta, Martin passa a viver duas vidas: a dele per se como padeiro e a do casal, agora seus vizinhos. Sua admiração por Gemma salta aos olhos, não de forma lasciva, mas pelo vínculo que faz com Madame Bovary. A história transcorre de maneira serena e o fim trágico se apresenta ao final, contudo, sem impedir nossa admiração pelo roteiro do filme, a direção, as fotografias esplêndidas e a brilhante atuação de Fabrice.
De tudo isso, concluo que, na terra dos irmãos Lumière, o cinema ainda é ARTE!