Drogas têm se tornado um problema em qualquer parte do mundo, demandando propostas de solução em frentes as mais diversas. Enquanto não se descobre a chave mágica que há de libertar o homem de um dos calabouços mais sombrios da existência, gente de carne e osso, bem menos dada a encantamentos que se despedaçam à luz incansável da realidade, põe a mão na massa e tenta remover a escória que parasita sociedades com ousadia cada vez maior, até que esbarram num atravanco desapontador, justamente por sua natureza de autossabotagem: a lei.
Uma das marcas dos filmes de Lee Hae-young é a forma como dissipa a nuvem de perfeição que ocidentais insuflamos sobre a Ásia, e em “Believer” não é diferente. É visível nos filmes do sul-coreano a inspiração em Hollywood, sem que isso vire uma desculpa para passar por cima da rica identidade que sua história concentra. Seu anti-herói já não tem mais nenhum pejo quanto a esconder a frustração de confessar que o tal sistema cai de podre, corroído por dentro e envenenado pela certeza de que ele pode fazer muito pouco. No entanto, sua fé no trabalho e no que consegue entender por humanidade volta no momento em que uma figura nada ortodoxa cerra fileira em sua causa, ainda que por um motivo bastante questionável.
O trabalho de Lee mira o alcance de Johnnie To, e pode-se dizer que o desempenho do sul-coreano seja uma espécie de trampolim para a obra do honconguês, ainda mais objetiva e sem tanta margem para tergiversações moralizantes. À secura da narrativa de To, atributo que puxa sequências ágeis que desdobram o eixo da trama num ritmo quase estupefaciente, Lee responde com inferências graduais apontando para o esfacelamento das ilusões de um agente da lei bem-intencionado, mas que também passa a jogar o jogo tal como ele sempre foi. O roteiro do diretor e Seo-kyung Chung insiste na representação de uma justiça inepta para resolver problemas que se metamorfoseiam em questões que torturam pessoas comuns, acuadas pelo domínio de facções mundialmente poderosas, até que surge, afinal, o fiel dessa balança.
Won-ho é o sujeito certo para mergulhar nas águas turvas do crime organizado de Seul, espalhando-se sem controle por toda a Coreia do Sul mediante a aquisição de arsenal específico e cooptando jovens desiludidos para atuar na linha de frente. Nesse particular, “Believer” vai se distanciando de “Guerra às Drogas” (2012), o clássico em que To não se interessa por firmar graus de responsabilidade de um para outro escalão a operar o tráfico na Hong Kong onde nasceu e foi criado. O dedicado investigador do departamento de polícia da capital sul-coreana vivido por Cho Jin-woong vislumbra a chance de se destacar de colegas indolentes e despeitados justamente por reconhecer os sutilíssimos códigos de atuação dos bandidos, de tal forma que nenhum deles sequer fareja que Won-ho, muito bem adaptado no meio da quadrilha, é, na verdade, o único capaz de desbaratá-la, seguindo à risca o plano de disfarce que elaborou depois de muito tempo no rastro dos traficantes.
A carga de suspense vem nas cenas em que o personagem central orbita nos mesmos círculos em que Jin Ha-rim, o mandachuva do submundo, mais e mais desconfiado com a onipresença de quem julga ser um subordinado um tanto inconveniente. Ju-hyuk Kim e Cho estrelam uma guerra de nervos como só mesmo os orientais conseguem, inclusive numa sequência em que as máscaras prometem cair durante uma madrugada incomodamente silenciosa.
Filme: Believer
Direção: Lee Hae-young
Ano: 2018
Gêneros: Ação/Crime
Nota: 8/10