Desligue o cérebro e aproveite o fim de semana: comédia que acaba de estrear na Netflix vai melhorar o seu humor Michael Moriatis / Netflix

Desligue o cérebro e aproveite o fim de semana: comédia que acaba de estrear na Netflix vai melhorar o seu humor

A transição do século 20 para o 21 instigou uma reflexão crítica e uma reavaliação das normas sociais, afetando de maneira notável os homens brancos, heterossexuais e de meia-idade. No epicentro dessa revolução cultural, encontramos a narrativa do filme “Tiozões”, espelhando a turbulência vivida por esses indivíduos, forçados a navegar sozinhos pelas águas tumultuadas da aceitação e do respeito pela diversidade. A nova era exigia um salto, uma evolução pessoal que dispensava o direito de concordar ou discordar, impondo um caminho rumo à transcendência sobre os próprios preconceitos, misoginia, racismo e intolerância. Esse processo iluminou um princípio fundamental: a liberdade genuína se estende a todos, sem exceção, e serve como um bastião contra qualquer abuso, marcando o fim da complacência com práticas discriminatórias.

Dentro deste cenário, Jack Kelly emerge, lutando para se harmonizar com esta nova realidade, buscando sobreviver em uma era carregada de antagonismo, que não escolhe suas vítimas baseando-se em raça ou idade. A jornada de Kelly em “Tiozões” revela uma resistência sutil contra a polarização extrema, um reflexo do cansaço gerado pela vindita que alguns setores marginalizados parecem querer exercer. Nessa teia complexa, o diretor Bill Burr, também comediante talentoso, opta por uma abordagem cautelosa, deixando sugestões ao invés de mergulhar em debates inflamados. Burr não apenas dirige mas vive Jack, apresentando uma crítica mordaz e perspicaz dos costumes contemporâneos, desenhada magistralmente também por ele e Ben Tishler. A mensagem é clara: não há lugar seguro para mentalidades retrógradas na sociedade que está se formando.

A simbologia da Barragem de Mulholland é potente, refletindo as dualidades do progresso que incomodam Jack. É no ambiente familiar, no aconchego de seu lar, que o encontramos questionando as nuances de seu mundo. Ali, ele constrói laços com o pequeno Nate, filho de seu amigo Dash McCloud, um desejo paterno alcançado mais tarde em sua vida, uma escolha pessoal que não convida julgamentos externos. O desenvolvimento dos relacionamentos familiares se aprofunda significativamente, especialmente com Leah, interpretada por Katie Aselton, que transita brilhantemente entre o papel de parceira empática e uma mulher frustrada, pronta para desafiar o status quo, uma transformação que Burr explora com sensibilidade e profundidade.

Em meio a isso, Jack se encontra imerso nas trivialidades da vida suburbana, incluindo interações tensas com vizinhos curiosos durante um churrasco no quintal. Suas falas, por vezes impróprias, pintam o retrato de um homem em conflito, mas longe de ser um ser desprovido de civilidade. A narrativa ganha corpo ao confrontar os desafios geracionais, evidenciando a lacuna entre os fundadores da Trifecta, uma empresa outrora dedicada a camisas esportivas vintage, e sua evolução para uma marca consciente, liderada pelo enigmático Aspen Bell, personificado por Miles Robbins, uma figura que personifica os dilemas modernos do corporativismo.

A obra enfrenta uma desaceleração momentânea durante a transição de cenário para Las Vegas, um interlúdio simbólico na vida conjugal dos protagonistas, mas rapidamente recupera seu ímpeto, reabrindo diálogos críticos sobre relações familiares, carreiras e a constante busca por relevância em um mundo em evolução. A jornada de Jack culmina em uma espécie de paz resignada, com um lembrete quase jocoso de que nada é mais desconcertante do que um homem mais velho aferrado às gírias juvenis, uma metáfora pungente para sua luta contra a intransigência do tempo e a busca pela adaptação em uma sociedade que não cessa de mudar.


Filme: Tiozões
Direção: Bill Burr
Ano: 2023
Gêneros: Comédia
Nota: 9/10