Pelo visto, a Polônia descobriu um jeito de exorcizar fantasmas de outros tempos e amenizar o peso de governos que, ironicamente, tentam com todo o empenho reproduzir a atmosfera de terror de quase oito décadas atrás: dotar seu cinema de tanta lubricidade quanto puder, e para isso, Tomasz Mandes é a pessoa certa. Mandes, codiretor da trilogia “365 Dias” ao lado de Barbara Białowąs, refreia seus impulsos (mas nem tanto) em “Desejo Proibido”, mas faz questão de imprimir o que tem se constituído sua marca registrada. Aqui, um casamento deixa chagas profundas o bastante para ultrapassar a vida, mexer com as certezas de uma mulher dada a usar da razão e daí brotar uma espiral de sentimentos, quando o lógico seria vencer a ausência e reinventar-se. Mas quem disse que pode-se tratar os assuntos de Eros com a balança de Têmis? O roteiro do diretor, escrito a quatro mãos com Mojca Tirš, até flerta com a ilusão de novidade, porém o estímulo de carregar no tempero de cenas de sexo — embora Mandes ofereça uma história de amor verdadeiro entre os protagonistas na guinada do segundo ato para o desfecho, saturada de conflitos socioeconômicos um tanto pedestres — limita um bocado a experiência de quem pensou que haveria qualquer coisa além de um pôr do sol numa praia deserta. Para os demais, o filme é no máximo excitante.
Enquanto Maks pratica kitesurfe, Olga frui momentos de solitário prazer na banheira do palacete de 21 janelões em que mora com a filha, Maja. Pode até parecer óbvio, mas é também natural o escândalo ao se saber que os três compõem o circuito amoroso que sustenta o longa, segredo de polichinelo que Mandes insiste em guardar com uma prudência demasiada. A edição, confusa, sugere que os personagens de Simone Susinna e Katarzyna Sawczuk demoram a se encontrar no tempo presente, aparecendo num flashback pleno de lirismo como duas crianças travessas e nuas depois de horas de folguedos concupiscentes, recurso usado pela francesa Laure de Clermont-Tonnerre em “O Amante de Lady Chatterley” (2022), no furgão laranja em que ele mora. A cena é a todo instante entremeada por registros de Olga no gabinete de trabalho, ao fim de um ou outra audiência no tribunal em que está lotada como juíza, e de pouco em pouco, Magdalena Boczarska atesta que é o vértice mais altivo do triângulo. O diretor não acha obstáculos para explicar as circunstâncias em que Maks e Olga se conhecem, tudo parte de um plano diabolicamente ardiloso que intenta livrar da cadeia Kamil, o melhor amigo de Maks interpretado com brilho por Sebastian Fabijanski — na sequência em que os dois atracam-se com violência, também na praia, depois das provocações de Kamil, Fabijanski revela uma face ambivalente do vilão, o que autoriza o público a especular sobre um amor platônico ou uma paixão recolhida entre eles. Contudo, ninguém arrisca um palpite sobre se Maks seria frio o bastante para lançar nessa aventura quase autocida de enfeitiçar a mãe da namorada, sabendo que poderia apaixonar-se por ela sem esquecer a outra. Ou vislumbrou o perigo e foi assim mesmo, coragem que gruda nele a rótulo de psicopata, altura a que a narrativa não chega.
“Desejo Proibido” parece um “365 Dias” com crises de consciência, sensação que se alcança com ainda força ao se verificar a tibieza de Mandes em analisar o drama de família do encerramento. É possível que o polonês queira fazer aflorar um novo gênero cinematográfico; no entanto, o sexo pelo sexo, cedo ou tarde, prova-se um monstro que devora seus criadores. Salvo quando você é Roman Polanski.
Filme: Desejo Proibido
Direção: Tomasz Mandes
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Romance/Erótico
Nota: 7/10