Num prestigiado internato católico para rapazes de classe média, aninhado num bairro residencial romano, os princípios éticos e morais revelam-se nebulosos, defasados. O enredo do filme “Garotos de Bem”, orquestrado por Edoardo Albinati, Massimo Gaudioso e Luca Infascelli, nos transporta seis meses atrás no tempo para recompor a série de acontecimentos que culminou na fatídica noite onde duas jovens foram vítimas de abuso sexual seguido de assassinato.
A adolescência desencadeia uma torrente de emoções complexas na mente humana, desde o temor da rejeição até à insegurança em relação à aparência, à ansiedade acerca do porvir e à busca da liberdade e independência. Neste período, muitos reinventam as suas identidades para conquistar aceitação e, eventualmente, se perdem de si próprios. Quando não há alicerces familiares sólidos, carinho, respeito e modelos de conduta, é improvável que estes adolescentes se tornem adultos exemplares.
Num determinado ponto de “Garotos de Bem”, um personagem partilha o segredo da educação do seu grupo: permitir a expressão da violência para evitar que a raiva se acumule, ou então correriam o risco de se tornar fascistas. A verdade é que, nesse momento, já o são. Quando rapazes adolescentes, privilegiados e protegidos por famílias abastadas repletas de segredos sombrios percebem que têm carta branca para cometer qualquer ato, agem sem hesitação, unicamente porque podem.
A narrativa se desenrola em 1975, mas poderia igualmente acontecer nos dias de hoje, dada a escassa evolução social, especialmente no que diz respeito à criação e educação de indivíduos misóginos. Os jovens daquela escola manifestavam simpatia por Adolf Hitler, tinham indícios de perturbações psicológicas e absoluta falta de respeito pelas mulheres, inclusive por suas próprias mães — parceiras traídas, maltratadas e exploradas, que viviam sob o verniz atrativo da alta sociedade.
“O Massacre do Circeo”, um filme dirigido por Stefano Mordini e inspirado no romance homônimo de Edoardo Albinati, retrata o quotidiano daquele grupo de adolescentes dos quais emergem Angelo Izzo (Luca Vergoni), Andrea Ghira (Giulio Pranno) e Gianni Guido (Francesco Cavallo). Decidem enganar e raptar as jovens Rosaria (Federica Torchetti) e Donatella (Benedetta Porcaroli).
Sob falsos pretextos, as duas amigas são conduzidas a uma casa de campo numa localidade costeira nos arredores de Roma, onde são submetidas a repetidas sessões de tortura e violação. Uma delas sobrevive simulando estar morta, enquanto a outra conhece um destino mais trágico. Os perpetradores são detidos e condenados à prisão perpétua, mas acabam por ser libertados alguns anos mais tarde. Este desfecho suscita a reflexão sobre a objetificação e banalização dos corpos e vidas das mulheres, perpetuadas tanto por homens como pelo próprio Estado.
Uma narrativa chocante que, infelizmente, não proporciona lições substanciais ao mundo, o “Garotos de Bem” representa mais um capítulo na série de derrotas das mulheres numa sociedade ainda dominada pelos homens.
Filme: Garotos de Bem
Direção: Stefano Mordini
Ano: 2021
Gênero: Drama
Nota: 8/10