“Interestelar”, sob a direção visionária de Christopher Nolan, tornou-se o precursor de uma era que acolheu o cinema espacial conceitual, incentivando a indústria cinematográfica a olhar além das estrelas e o público a embarcar em jornadas além da imaginação. Esses filmes, embora desfrutem de uma audiência dedicada, reconhecem sua posição divisória: são artefatos que desafiam o gosto convencional e resistem à categorização como mero entretenimento. Imersos em extravagância tecnológica, eles não buscam apenas deslumbrar com sua maestria de efeitos visuais, mas também ousam submergir o espectador em um mar de introspecção filosófica.
Dentro deste cosmos, “Ad Astra” brilha de forma distinta, uma gema forjada na fornalha criativa da Plan B, a produtora que tem, entre seus líderes, o ator Brad Pitt. Sua participação não se limitou ao papel de um financiador silencioso; ele infundiu no projeto a essência de sua visão artística, enquanto assumia o manto do protagonista.
Sob a tutela de James Gray, que coescreveu o roteiro com Ethan Gross, “Ad Astra” foi concebido como um salto audacioso para o desconhecido, um projeto que reuniu paixões e convicções artísticas. O estúdio, imbuído de confiança no discernimento de Gray, concedeu-lhe liberdades raramente vistas, resultando em um orçamento que espiralou para um monumental investimento de 100 milhões de dólares.
Esta escolha, no entanto, não veio sem suas tribulações. Mesmo uma estrela do calibre de Brad Pitt observou a pressão financeira, uma tensão que se refletiu em atrasos de produção e expectativas tensas. A resposta doméstica foi desanimadora, com receitas mal ultrapassando a metade do orçamento. Internacionalmente, no entanto, a maré mudou levemente, com o filme arrecadando modestamente, uma vitória tênue que provavelmente ofereceu algum consolo.
“Ad Astra”, apesar de sua jornada tumultuada, é uma ode visual à cinemática. Divergindo das narrações de bravura espacial saturadas pelo heroísmo tradicional de sagas como “Armageddon” ou “Apollo 13”, este filme escolhe uma trilha menos percorrida.
Não celebra heróis; ao invés disso, desvela a humanidade em personagens falíveis, talvez refletindo mais um drama familiar cósmico do que uma aventura intergaláctica. Capturado pela lente magistral de Hoyte Van Hoytema, o filme é um diálogo visual que convida comparações com o lirismo cinematográfico de Terrence Malick. O personagem central, em sua odisseia solitária, não apenas confronta o abismo físico do espaço, mas também os abismos metafóricos dentro de sua psique, articulados através de monólogos introspectivos que ressoam contra vastidões estelares.
A cinematografia em “Ad Astra” é um personagem por si só, com imagens capturadas de perspectivas íntimas, trazendo o espectador para dentro do claustrofóbico confinamento do traje espacial, as reflexões no visor criando um sentimento de voyeurismo cósmico. A câmera, livre das restrições terrestres, desliza pelos corredores da nave, expondo nuances facilmente ignoradas pelo olho não treinado. A composição visual homenageia Stanley Kubrick, integrando profundidade e simetria de forma a envolver e desconcertar simultaneamente.
Acompanhando essa jornada visual está a trilha sonora de Max Richter, uma composição evocativa que orquestra uma experiência de imersão, ancorando a odisseia espacial na vastidão emocional da música.
Na construção deste universo, James Gray opta por uma abordagem reminiscente dos métodos tradicionais, preferindo técnicas práticas que ecoam o legado de “2001: Uma Odisseia no Espaço”. Inspirando-se na epopeia moral de “Apocalypse Now”, o roteiro tece uma narrativa que, embora ambientada no vasto palco cósmico, é profundamente pessoal e inquisitiva.
A história central de “Ad Astra” é tão complexa quanto o espaço que explora. Uma crise iminente desencadeada por um projeto espacial esquecido obriga o astronauta Roy McBride a embarcar em uma jornada através da galáxia, uma peregrinação guiada tanto pelo dever quanto pela necessidade pessoal de confrontar seu pai desaparecido. Este enredo se desenrola através de camadas de segredo e revelação, uma trama de descoberta pessoal e redenção.
A performance de Brad Pitt, sustentada por aparições de talentos como Tommy Lee Jones, Kiefer Sutherland e Liv Tyler, é uma exploração nuanciada da fragilidade humana. “Ad Astra”, apesar de seu acolhimento morno, resiste à definição simplista e à aclamação popular. Ele se posiciona como um desafio, uma obra que exige não apenas observação, mas também introspecção. É um convite para não apenas ver, mas ponderar os recessos da experiência humana, apresentados aqui contra o pano de fundo da infinitude espacial.
Filme: Ad Astra
Direção: James Gray
Ano: 2019
Gênero: Drama/Mistério/Aventura
Nota: 9/10