Não se preocupe com isso. Quando me sinto triste, solidão é remédio. Quando me sinto triste, cigarras cantam nos arredores do meu vazio anunciando que a chuva já vem. Tempos ruins? Olhos nublados sujeitos a pancadas de lágrimas? Não. Nada disso. Sinto muito discordar da esbelta moça do tempo. A chuva me alegra, tanto quanto o seu perfil esguio e as pernas de louça.
Ouça, quando me sinto triste, incuto aquela ideia na cabeça, que eu devia meter uma mochila nas costas e sair por aí andando, sem muito planejamento, sem metas e prazo pra voltar. Caminhos de enlouquecer? Acho que é mais que isso. Parece plausível buscar o garoto perdido nos interiores de mim, sob silêncios de não falar, de não ouvir, de interagir tão somente com a zoeira dos pensamentos a ribombarem dentro da cabeça.
Pode ser que pensar realmente enlouqueça. Deve ser por causa dessas demandas humanas, por causa de tantos devaneios existencialistas, que criaram, por exemplo, os vários caminhos que levam até Compostela, na Espanha. A gente apanha da vida todo santo dia. Ainda espero tirar férias do sujeito arrazoado que faz milagres no meu peito — das tripas, coração, eu diria — , a fim de me embrenhar nas incertezas da estrada. Há sempre um risco de que as pedras do caminho desmintam o conceito que faço de mim e do mundo.
Quando me sinto triste, ouço música em altos decibéis — geralmente rock and roll — até que o povo lá de casa me mande ir pra cama — “Vai dormir, criatura!” — ou que o vizinho da direita me mande à merda — “Vai dormir, filho de uma puta!”. Eu sempre quis me mudar de bairro. Eu sempre quis ser o quinto beatle. Só que a banda e o sonho já tinham acabado quando danei a entristecer sem motivos aparentes. O vizinho, não. O vizinho continua ouvindo o seu sonzinho comercial, chinfrim, de péssima qualidade, enquanto eu me pego deslocado, fora do eixo, ruminando dilemas. Não tô nem aí para “as mais ouvidas da semana”. Não sei como é isso. Eu devia estar rindo à toa.
Quando me sinto triste, não tenho vontade de trepar. Crescer… Multiplicar… Ah, se a minha gata e a espécie humana dependessem — durante os meus estágios de recolhimento — da complacência dos meus gametas para se perpetuarem na face da Terra, estariam dizimadas em poucas noites de domingo. Falo sério. Não me orgulho em ser amargo. Quando me sinto triste, nem tigelas de leite condensado adoçam-me o dia. É preciso comer menos doce, é preciso fazer mais exercícios físicos, é preciso dormir cedo, beber pouco, não fumar e, apesar de tanto esforço concentrado para obter saúde, esperar que tudo ao redor melhore, culminando numa existência plenamente feliz.
Quando me sinto triste, vou tomar café coado no velho coador de pano da casa da minha mãe. Eu insisto — não há nada de novo e intrigante nisso — mas ela teima em não abandonar o método antiquado, para aderir aos filtros descartáveis de hoje. A velhota possui princípios. Ela tem mais elã do que eu possuo coadores de papel celulose. Por isso mesmo, não abro mão das suas manias, dos seus quereres, muito menos, do café forte, coado na hora e com pouco açúcar. Se a coisa melhorar, açucara.
Quando me sinto triste, fico mais saudosista que um homem velho cujos melhores amigos já morreram. Imagino o quanto seja péssimo gozar uma saúde de ferro quando todos os chapas já evaporaram. Quando me sinto triste, perco o apetite. No fundo, eu tenho fome de coisas que não podem ser mastigadas, se é que me entende.
Quando me sinto triste, os bichos notam. Passarinhos de sempre pousam no meu quintal. Suaves beija-flores cumprem a sua sina: eles beijam flores como ninguém, melhor do que eu sugaria os lábios da atriz Scarlett Johansson. Até a cadela lá de casa se aninha nos meus pés, como se eu fosse melhor do que ela. Em matéria de ignorância, somos iguais, bichinho. Porque, quando me sinto triste, todas as vezes que me sinto pra baixo, um cão daqueles que detestam coleiras late alto aqui dentro, inconformado, doido para escapar correndo pelo portão aberto do meu peito e morder a bunda do mundo em busca de algumas respostas.