Uma voz, um vibrafone e a arte de fazer música que salva o dia da gente

Uma voz, um vibrafone e a arte de fazer música que salva o dia da gente

Tem dias em que tudo é ruína dentro da gente. Nessas horas, quando a alma esfacela e o corpo desmonta em um milhão de pedaços, só nos cabe esperar ajuda, aguardar quem nos dê a mão e nos junte de novo. Pode ser gente, pode ser bicho, pode ser alma. E pode ser música.

O disco “Voz + Vibrafone”, de Bia Góes e Ricardo Valverde, me salvou dessa vez.

Pura, simples e bela celebração da vida, da amizade e da beleza, o disco de Bia e Ricardo relê nove clássicos da música popular brasileira em arranjos sensíveis e inspirados para voz e vibrafone, acompanhados de um violão aqui, um contrabaixo acústico ali, um quarteto de cordas acolá. São canções que um dia tocaram no rádio, quando ainda havia rádios, e que consolaram a dor e enfeitaram a alegria de um mundo de gente.

Feito um náufrago, agarrei-me nessas canções e sobrevivi. Bia e Ricardo são músicos parceiros versados pelo trabalho ao lado de artistas como Oswaldinho do Acordeom e Dominguinhos. Operários da beleza, sabem muito bem que fizeram um dos discos mais bonitos destes tempos.

Ouvindo Bia cantar “Meu Primeiro Amor”, um velho sucesso de Cascatinha e Inhana que minha avó amava e cantava pra eu dormir, perdi minha dor no meio do caminho e achei que a voz de Bia e o vibrafone de Ricardo nasceram juntos, feitos da mesma substância divina que alimenta as populações de anjos. Muito, muito bonito.

Bia Goes e Ricardo Valverde
Bia Góes e Ricardo Valverde: Voz + Vibrafone

Sou um sujeito de quase cinquenta anos que vive às voltas com a depressão desde a adolescência. E nos dias em que me sinto invisível, junto com a poeira no canto da sala, o farelo do pão, o emaranhado de cabelos presos na escova, a peça perdida do quebra-cabeças, eu saio buscando algo bonito para ver se me reencontro ali. Consegui agorinha, ouvindo o disco de Bia Góes e Ricardo Valverde.

A versão de Bia e Ricardo para “Onde Deus Possa me Ouvir”, do Vander Lee, é pra mim a mais linda interpretação dessa canção que tanta gente já cantou tão bonito. Gal Costa, Leila Pinheiro, Elba Ramalho e até a filha de Vander, Laura Catarina, entre outros artistas.

Pensei aqui comigo que o Vander, num cantinho ensolarado do infinito, escutou sua canção mais bonita cantada de novo aqui embaixo e sentiu alegria, abriu um sorriso e foi contar à Gal a novidade. Os dois sorriram uma saudade carinhosa da vida aqui embaixo e foram juntos passear nas avenidas eternamente verdes do paraíso, onde é sempre primavera. Onde o amor e a alegria brotam nas calçadas como capim.

De tão lindos, a voz de Bia e o vibrafone de Ricardo chegaram lá. Tomara que cheguem até você também.

André J. Gomes

É professor e publicitário.