De olhos bem fechados, conte até 100 e depois tente me encontrar. Em alguns segundos, estarei escondida. Logo alguém dá sinal: Olha lá ela! Então, asas nos pés pra que te quero. Corro, corro! Bato logo o meu nome, 1, 2, 3. Na brincadeira de pique-esconde nunca quis ser o “salve todos”, “salve o mundo”, pois me angustiava demais a ideia de ficar por último e ser esquecida para sempre ali, detrás de uma árvore qualquer. A despeito do brincar e da vida, acredito ser divertido se esconder — manter-se a uma distância segura do outro —, mas penso ser terrível não ser encontrado.
As relações modernas se entrelaçam numa grande rede furada de afeto. Perto e longe, estamos todos, ao mesmo tempo, entre o se esconder e o se achar. Algo como um gigantesco encastelamento coletivo, esconderijo perfeito para nossas fraquezas. Em terra de pique-esconde virtual uma ligação é prova de amor e olhos nos olhos não passam de uma sugestiva canção buarqueana. Salve-se quem puder! Salve-se quem ainda topa mostrar a cara sem filtro e ter coragem para ser tocado além da tela touch. Quem liga primeiro? Quem convida para sair? Quem se importa? É tanta precaução para não se frustrar que acabamos recolhidos, solitários nos sótãos de um orgulho tolo, morrendo de medo uns dos outros.
Todo mundo fala de saudade, mas são poucos os que se atrevem a resolvê-la. Por que estamos complicando tanto? É assim: estou com saudades e não sei o que fazer com isso, a não ser te ligar, te ver. Pois bem, não costumo alimentar saudade: mato logo ela de fome. Acerto-lhe em cheio com minha carabina, dou-lhe veneno estricnina e cravo-lhe no peito minha peixeira de baiano. Mato mesmo! Saudade faz barulho demais dentro da gente. Não suporto tanto incômodo. Talvez por isso eu não viva saudade de quem é vivo, nem sinta tanta saudade do que passou. Toda saudade carrega fragmentos de nostalgia. Tenho pra mim que nostalgia demais aprisiona. Criar um passado perfeito nunca vai nos livrar de ter que encarar o presente.
É claro que sabemos que não é internet nem a distância que separa as pessoas. É a indiferença, é o tanto faz. Há mais intenções do que convites, mais quases do que sins, mais fotos do que conversas, mais poses do que abraços, mais mágoas do que pedidos de desculpas. As relações carecem de encontros, de escutar mais frases, como “desce, que estou aqui embaixo”, “vim te ver”, “coloca mais água no feijão”, “prepara as linguiças do tira-gosto”, “olha as flores que te trouxe”, “lembrei de você”.
Pode chegar. As janelas estão abertas. Ainda esqueço as luzes acesas. As chaves da casa estão embaixo do tapete, como de costume. As senhas do meu coração anotadas em papel, guardadas no bolso direito da minha calça jeans preferida. Adoro aparecer e também ser encontrada, pois não consigo imaginar nada mais triste do que sermos esquecidos para sempre em nossos próprios esconderijos.