Há sempre um elemento de sátira sociopolítica em filmes que denunciam as mazelas do que pode vir a se tornar a vida na Terra num prazo que talvez nem seja assim tão longo, mas “Transformers: O Último Cavaleiro” abusa. Dependendo de como se teça a crítica ao estabelecido; a elites cruéis e ególatras; a governantes cínicos e alheios ao sofrimento de seu povo, assuntos cuja essência passa ao largo da compreensão da gente comum ficam menos herméticos, não obstante não se dirima da noite para o dia um modo torto de se pensar que se foi cristalizando nos corações e nas mentes. Apresentada essa face da questão, o filme de Michael Bay atribui a criaturas extraterrenas o destino do homem, e assim, convenhamos, é grande a tentação de se pensar que o melhor seja mesmo entregar nossos destinos nas mãos de máquinas que criamos, mas que nunca iremos conhecer, e nesse intervalo quanto retrocesso não cabe a favor dessas estruturas antes ridiculamente diminutas, aumentando de tamanho de peso e tamanho como se emulassem nosso desenvolvimento? Ninguém exige de tramas de ficção científica que se tolha a criatividade do roteirista a fim de acomodar todas as reivindicações de cunho lógico de um público que vai amá-las desde o início e, por óbvio, comprar a ideia, qualquer que seja. No entanto, coerência é algo tão básico na construção de narrativas que ensina-se no colégio, desejando-se que todos disponhamos de um raciocínio minimamente cartesiano e atento às injustiças.
Na Inglaterra da Idade Média (476-1453), uma batalha campal sela o destino dos homens. Soldados morrem pelo rei Artur, mas desdenham de Merlin, que para eles não passa de um charlatão. Se continuasse nessa toada, “O Último Cavaleiro” iria bem, mas a necessidade de se romper o mote central, com uma gigantesca estrutura metálica transferindo a um guerreiro o cajado também de metal que exige cuidados perenes, porque um ser maligno o virá buscar, é o primeiro dos diversos focos de aborrecimento a coroar o trabalho de Bay, pretensioso também em seus 154 minutos de duração. Na quinta das sete produções da franquia, fora os desenhos animados, o diretor repisa um conceito presente nas histórias narradas antes, fazendo questão de esclarecer que são mínimas as chances de que tudo acabe a contento para o homem. Malgrado não haja vitória sem sacrifício, o tempo cronológico avança 1.600 anos, e os Transformers estão prontinhos para dominar o mundo — ao menos os que não terminam submissos a milionários cuja fortuna os mantém a salvo da destruição.
Anthony Hopkins, quem diria, acabou no multiverso. Sir Edmund Burton, esse lorde do apocalipse, é uma das grandes personalidades da História, de Catarina 2ª da Rússia (1729-1796) a Elizabeth 1ª (1533-1603), passando por Abraham Lincoln (1809-1865) e Frederick Douglass (1818-1895), que dedicaram-se a proteger a história secreta dos Transformers. Hopkins por certo não deixa de encantar, ainda se comparado ao desempenho do mocinho da série. Num dos papéis mais robóticos da carreira, Mark Wahlberg nunca esteve tão acomodado, saindo pela tangente aqui e ali graças aos bons efeitos especiais a cargo da equipe supervisionada por John Frazier. Seu Cade Yeager passa a um retrato da dependência humana de salvadores que não tardam a mostrar sua face de déspotas cruentos, o que Bay chega a explorar com denodo, principalmente quando reproduz a estética “Mad Max”. É uma pena que, a essa altura, só mesmo os grandes admiradores da franquia continuem diante da tela.
Filme: Transformers: O Último Cavaleiro
Direção: Michael Bay
Ano: 2017
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 7/10