Em algumas mãos, o cinema se mostra muito mais que apenas diversão, entretenimento, abstração da realidade. Alguns cineastas usam sua arte para costurar importantes argumentos que despertam em seus espectadores reflexões, ideias, concepções diferentes daquelas que já conheciam. O cinema pode abrir portas para os mais variados mundos, nos levando para outras realidades que jamais conheceríamos dentro das limitações de nossa própria existência. “O Milagre”, filme de Sebastian Lelio lançado em 2022, com certeza, é um desses. Uma obra que parece abrir nosso cérebro para despejar informações valiosas.
Lelio é o realizador por trás de “Desobediência”, “Gloria” e “Uma Mulher Fantástica”. “O Milagre” é baseado no romance de Emma Donoghue, lançado em 2016. Ela também é autora de “O Quarto de Jack”, que ganhou adaptação cinematográfica pelas mãos de Lenny Abrahamson e deu o Oscar de melhor atriz para Brie Larson. Mas neste trabalho mais recente de Lelio, com uma atuação de tirar o fôlego de Florence Pugh, acompanhamos a história de Elizabeth Wright, uma enfermeira com uma rica bagagem profissional e um passado trágico. É 1862 e ela é recrutada por um comitê de um vilarejo no interior da Irlanda para acompanhar o estado de saúde de uma garota de 11 anos chamada Anna (Kíla Lord Cassidy), que afirma estar há quatro meses sem se alimentar. Quando chega ao local, a enfermeira se depara com uma menina aparentemente saudável.
Enquanto os religiosos acreditam se tratar de um milagre, outros querem que Elizabeth desmascare a farsa e prove que a menina está, sim, se alimentando de algo. Pragmática e cética, a enfermeira logo trata de proibir que os pais da menina, os fanáticos religiosos Sean (David Wilmot) e Maggie (Ruth Bradley), de se aproximarem dela. Apenas assim ela descobrirá se eles dão comida escondido para Anna. Mas, conforme a presença de Elizabeth torna a intimidade da família mais exposta, a menina em jejum começa a ficar cada vez mais debilitada, provando que há segredos que eles não conseguirão manter escondidos por muito tempo. Ao mesmo tempo, Elizabeth e Anna formam um vínculo poderoso, que fará com que a enfermeira se pergunte se está realmente fazendo a coisa certa ao tentar desmascará-la.
Com uma fotografia cheia de textura e tons esverdeados, as imagens exploram a pureza das paisagens naturais da Irlanda, ao mesmo que não esconde a lama e sujeira nas quais os personagens estão expostos, fazendo uma alegoria ao sagrado e ao pecado. O filme começa e termina mostrando o set de gravação, com câmeras, cabos, gruas, expondo os cenários falsos, questionando o espectador: afinal, você acredita na história que estamos te contando? Uma metalinguagem, já que Elizabeth também está investigando a veracidade de uma história.
“O Milagre” também parece um enredo oportuno em uma época em que a internet ampliou o espaço, a repercussão e os mensageiros das fake news. Nem tudo que é noticiado é a verdade. Além disso, o filme também expõe a contraposição entre a religião e a ciência, criticando a fé cega, fanática e irresponsável.
Filme: O Milagre
Direção: Sebastián Lelio
Ano: 2022
Gênero: Drama/Mistério/Suspense
Nota: 10