A beleza dá sempre um jeito. Não há horror que resista ao ímpeto espantoso do ser humano de celebrar e perpetuar a vida pela simples e antiga capacidade de fazer o que é bonito.
Digo isso a você porque agorinha ainda eu estava aqui, sufocado sob a tristeza de tanto horror noticiado, execuções, injustiças, impunidades, uma nova guerra até, quando vem uma canção de amor, me pega pela mão e me leva respirar lá fora.
Ouvi Alaíde Costa cantando “Ata-me”, composição do pernambucano Junio Barreto, e senti alegria!
Uma obra-prima quando nos toca fundo refaz um acontecimento bíblico: do pó da terra ela nos faz gente, sopra-nos o fôlego da vida nas narinas e nos torna seres que vivem.
A canção, um clássico de nascença, estará no próximo disco de Alaíde — o segundo produzido para ela por Marcus Preto, Emicida e Pupilo, o mesmo trio responsável pelo álbum “O que Meus Calos Dizem Sobre Mim”, lançado em 2022 a partir de uma ideia generosa, louca e linda de Marcus que, tocado pela lindeza de Alaíde, deu início a uma ação entre amigos sem nenhum precedente na história da música popular brasileira.
Aliás, aqui entre nós, o que Marcus Preto, Emicida e Pupilo estão fazendo juntos por Alaíde e pela música do Brasil, sem exagero, merecia o Prêmio Nobel da Paz.
Acho mesmo que o mundo só não acabou ainda porque a beleza reside e resiste em pessoas assim. Há sempre alguém bonito fazendo algo sublime em meio a tanto horror. Sempre alguém capaz de um encantamento que enfrente a barbárie e lute pela vida. Sempre uma coragem de harmonizar luz e sombra, prazer e dor, o que falta e o que sobra.
Há sempre um milagre operando em gente como Alaíde Costa, capaz de atravessar o tempo e multiplicar belezas apesar de tudo. É que sempre o fim espreita a vida e desde sempre a vida vence e recomeça mais forte.
Aos oitenta e sete anos e quase sete décadas de música, Alaíde Costa é uma das cantoras mais importantes que inda caminham por este mundo e esse é outro milagre. Sem nunca ter enriquecido, lotado estádios nem ter visto suas músicas tocarem na televisão mais de meia dúzia de vezes, ela tem uma multidão de admiradores.
Porque cantou sem fazer concessões a quem quis ouvi-la, exerceu seu ofício sem medo e distribuiu belezas que duram. Sua voz impecável inda hoje é um sinal da riqueza do tempo. Alaíde é um tesouro, uma fortuna, uma raridade. Um instrumento bonito de Deus que persiste, esparramando graça entre tanto infortúnio.
Torço e rezo a Deus que mantenha sua capacidade de produzir encantamento e abençoe as almas boas que protegem sua pessoa e seu ofício. Obrigado, Alaíde, Marcus Preto, Emicida, Pupilo e tantos mais. A beleza deu um jeito de novo.