Sequência do filme mais assistido da história do cinema indiano acaba de estrear na Netflix

Sequência do filme mais assistido da história do cinema indiano acaba de estrear na Netflix

Apesar do caos de seus quase 1,4 bilhão de habitantes, a Índia é uma terra pacífica, magicamente excêntrica, em que eventos improváveis, que só se justificam mediante explicações fora do alcance cultural de outros povos, acontecem a todo instante, sem que ninguém jamais saiba. O indiano é um povo ordeiro, mas também aguerrido, chegado a uma briga justa, e é por aí que “Oh My God 2” começa a fazer sentido. Em 2012, Umesh Shukla desafiava a lógica e melindrava espíritos mais puritanos com “OMG: Oh My God!”, sátira que não deixava pedra sobre pedra nas análises minuciosas que fazia à obrigação de se crer em Deus e em Sua infalibilidade, mesmo quando, depois do terremoto que arrasa uma região inteira, um homem perde seu ganha-pão e o seguro não lhe vale de nada. Aqui, Amit Rai dá eco às inquietudes de Shukla, mas trata de jogar um pouco mais de lenha na fogueira, malgrado o Santo Nome nunca seja tomado em vão.

O roteiro do diretor não condescende quanto a chamar as coisas seus verdadeiros nomes, e desse modo ganha substância uma discussão madura sobre temas ainda proibidos em espaços sociais de importância central na educação de indivíduos mais afinados com seu tempo. 

Rai prefere não mexer com textos sagrados e sua aplicação (equivocada) no dia a dia do cidadão comum — embora, trocando-se em miúdos, tudo se comunique e aponte para um mesmo resultado. Esticando-se um tanto a corda, poder-se-ia elencar como a grande semelhança entre os trabalhos de Shukla e Rai o fato do personagem responsável por conduzir a narrativa ser um modesto comerciante, o que não deixa de dizer bastante sobre elementos colaterais da cultura indiana, sempre marcada pela capacidade de se fazer bom negócios a despeito da soma que se tenha.

Kanti Sharan Mudgal, o pequeno lojista vivido por Pankaj Tripathi, tem uma existência frugal ao lado da mulher, Indumati, de Geeta Agrawal Sharma, e do filho, Vivek, e nunca viu razão para queixar-se disso, talvez por sustentar a família com os ganhos de um negócio em condições muito especiais, quiçá abençoadas. Seu estabelecimento fica nas dependências de um templo hindu Shiva em Ujjain, no centro-norte do país, e em plena celebração pelo dia de Mahakaal, a divindade hinduísta que protege a Criação, é um dos que mais faturam.

A câmera desliza pelo breu do firmamento, a cidade toda iluminada lá embaixo, as quatro da madrugada, com os festejos sem hora para terminar, avançando pela manhã. O Bhasm Aarti, o ritual de purificação que Shiva concede aos seres humanos, começa, com a habitual proibição de selfies. Essa menção à onipresença da tecnologia mesmo nessas horas vem a calhar para o que se passar no segundo ato. Cansado de ser perseguido por colegas mais velhos, que dirigem-lhe insultos pueris, sobre detalhes de sua anatomia íntima, Vivek desenvolve um bizarro transtorno: o garoto está sempre se masturbando pelos cantos, temendo ser apanhado, mas no fundo desejando exatamente isso. Numa dessas, um grupo de estudantes capta imagens do garoto em situação vexatória e o registro se espalha. 

Mesmo sumindo por um bom tempo, Aarush Varma volta para a apoteótica sequência final, pondo por terra a falsidade generalizada de seus concidadãos. Antes, a questão é judicializada, num longo segmento (longo segmento) que transforma “Oh My God 2” meio monótono, ainda que as atuações de Yami Gautam como a promotora Kamini Maheshwari, e de Pawan Malhotra na pele do juiz Purshottam Nagar, ajudem a quebrar o gelo de um tabu que, francamente, deveria ter sido superado há muito tempo. Na Índia também.


Filme: Oh My God 2
Direção: Amit Rai
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Comédia 
Nota: 8/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.