A história real e impressionante de superação, na Netflix, que vai acalmar seu coração e renovar sua fé na vida Divulgação / Millennium Entertainment

A história real e impressionante de superação, na Netflix, que vai acalmar seu coração e renovar sua fé na vida

Erra-se uma porção de vezes ao longo de uma mesma vida, mas é necessário empenho para fazer de um deslize a grande virada que deveria ter se dado há muitos anos. Eugene Brown levou tempo demais para se convencer de que sua estada neste mundo não era em vão — e o fez da pior maneira. Depois de um assalto a banco que custou-lhe dezoito anos de cadeia, esse homem que tinha tudo para considerar-se perdido para sempre resolve que essa é a ocasião ideal para se refazer, a partir de um hobby até hoje controverso, tido por elitista, tolo, preconceituoso, que escolhe quem poderá ou não cerrar suas fileiras — e por isso mesmo cada vez mais distante do homem comum.

Em “Jogada de Rei” (2023), Brown conta sua história a Jake Goldberger, e o que sai daí é num só golpe cruento e inspirador, poético e acintosamente banal, como apenas as histórias escritas pelo destino conseguem ser. O ex-detento ganhou a merecida projeção quando do lançamento do filme, dez anos atrás, e valeu-se da publicidade e da fama repentina para intensificar suas participações em encontros com alunos do ensino médio de escolas em todo o território americano, insuflando nos jovens o gosto pelo xadrez e arrastando pelo bom exemplo ao mencionar o quanto o perdeu com jogos arriscados demais, que só fizeram dar-lhe a ilusão de estar ganhando.

O roteiro de Goldberger, Dan Wetzel e David Scott só faz sentido se tomado pela intenção de não perder de vista a trajetória do personagem central, e é exatamente isso que acontece. As sequências no presídio, curiosamente, não dispõem de todo o impacto que se pode esperar num filme dessa natureza, em especial depois do que se vê quando da libertação de Brown. Pelo que já se imagina, sua regeneração terá de superar algumas provas de fogo, e a primeira é vencer a tentação do dinheiro rápido, fácil e perigoso, encarnada por Perry, o ex-protegido que agora tem um ponto de distribuição de drogas para chamar de seu. Richard T. Jones é um bom epítome para tudo quanto Brown não quer para si, e a dialética dos dois oferece sustentação ao enredo por uma boa parte do longa.

Brown declina da oferta e passa a cavar todas as oportunidades que se lhe insinuam, até que consegue emprego como zelador na escola secundária local dirigida por Sheila King, a mulher justa e piedosa interpretada por LisaGay Hamilton, dourando a pílula às avessas: ele mente alegando ter uma ficha corrida muito mais ameaçadora do que a que possui de fato. Sua coragem a inspira a efetivá-lo como o inspetor do reformatório, a seção onde ficam os alunos mais violentos, uma gente com a qual tem laços para muito além do que se deixa revelar.

Cuba Gooding Jr. é, sem dúvida, a melhor coisa em “Jogada de Rei”. Sua compreensão de Brown é exatamente o que pede a história, um sujeito dedicado a reagir a uma tristeza forte o bastante para inutilizá-lo, mas que conhece a fórmula para transformar essa paralisia no ânimo que justifica sua permanência junto àqueles garotos de olhares baços, certos de que não devem esperar de sua sorte nada de muito empolgador.

Aqui, Gooding Jr. troca de lugar com Rod Tidwell, seu papel em “Jerry Maguire: A Grande Virada” (1996), levado à tela por Cameron Crowe e com o qual ganhou o Oscar de Melhor Ator Coadjuvante em 1997, e experimenta o tormento de assumir a responsabilidade por circunstâncias agora em harmonia quanto ao que pretende ser e, por óbvio, livrar seus alunos do mal maior. A sequência em que faz uma ousada aposta com Tahime, de Malcolm Mays, num jogo de baralho, para só então passar a conduzir a classe pelos mistérios do tabuleiro é uma prova arguta do quão disposto está a mudar o rumo daqueles filhos do abandono. Uma chance que ele mesmo não teve. 


Filme: Jogada de Rei
Direção: Jake Goldberger
Ano: 2013
Gêneros: Drama
Nota: 8/10