No relato refinado de Dostoiévski, “O Sonho de um Homem Ridículo” (1877), somos imersos na jornada de um homem sombrio e sem esperança. Ele, sem nome na narrativa, reflete um retrato vívido do desespero humano, transitando pelas ruas sombrias de uma São Petersburgo subjugada por um inverno implacável.
As preocupações monomaníacas com impotência e morte afogam seu ser, denunciando uma existência destituída de valor, uma representação alegórica da insignificância humana. Ele é, de fato, o homem ridículo, uma personificação de todos os males que afligem a alma humana.
Ao transpormos para 2011, o filme “A Perseguição” oferece a Liam Neeson um personagem que, embora com nome e sobrenome, vive uma batalha interna comparável. Ele luta contra as garras de um mundo frio, clamando por um propósito que justifique sua existência e pelos momentos de clareza que dissipam a insanidade inerente à humanidade.
Dostoiévski, um luminar da literatura, conheceu bem essa loucura, marcado por dilemas e lutas internas, impulsionado por dívidas e vícios, atormentado por reflexões sobre a grandiosidade da literatura e pela efemeridade da vida, após um quase encontro com a morte em 1849.
É através dessa ótica que Dostoiévski desvenda seu amor pela humanidade e sua compaixão pelos condenados da existência, traços evidenciados em sua literatura. John Ottway, personagem de Neeson, enfrenta dilemas semelhantes, perdendo-se em um labirinto de dor e remorso, em uma busca incessante por redenção e significado.
Joe Carnahan, o diretor de “A Perseguição”, utiliza o céu cinzento como metáfora visual da melancolia do protagonista, permitindo ao público vislumbrar a dualidade de Ottway, sua luta interna e seu exílio emocional. A cada novo cenário, descortina-se um novo aspecto desse enigma humano, desvendando um homem em constante fuga, desgarrado do mundo e de sua essência.
O desenrolar da trama é marcado por reviravoltas e revelações sobre Ottway, delineando um homem cuja profissão exige uma convivência com a morte e a violência inerente à natureza. Neeson imprime em seu personagem a resiliência necessária, conduzindo-o por um caminho de provações e descobertas, em uma jornada onde os laços humanos são testados e os limites morais, desafiados.
O filme se torna uma experiência cinematográfica única, onde cada personagem é conduzido ao extremo, obrigando-os a revisitar seus medos e inseguranças. As atuações coadjuvantes enriquecem a narrativa, construindo um microcosmo de conflitos e tensões, evidenciando a fragilidade humana diante do desconhecido.
Carnahan tece um paralelo sutil com Dostoiévski, explorando a temática da busca pelo propósito e pela redenção. “A Perseguição” torna-se, assim, uma meditação sobre a existência, um convite à reflexão sobre a vida e a morte, sobre o significado da luta diária contra os demônios internos, apresentando um universo onde a rebeldia e a esperança coexistem em um balé melódico de sombras e luzes.
Filme: A Perseguição
Direção: Joe Carnahan
Ano: 2011
Gênero: Thriller/Drama/Ação/Aventura
Nota: 8/10