Nova comédia obscura de Wes Anderson é um dos melhores filmes do catálogo da Netflix Divulgação / Netflix

Nova comédia obscura de Wes Anderson é um dos melhores filmes do catálogo da Netflix

Roald Dahl analisa o comportamento humano em sua série de histórias adultas publicadas sob o título de “A Incrível História de Henry Sugar e Outros Contos”. Adaptados para o cinema por Wes Anderson, que transformou as narrativas em verdadeiras obras de arte do cinema, os curtas-metragens traçam todos os tipos de perfis humanos por meio de seus personagens. Brincando com o discurso, como nos demais contos, e com cenários que se montam e desmontam diante dos olhos do espectador, cores pasteis e subexpostas, além de sua mise en scène milimetricamente arquitetada, “Veneno” é elegantemente obscuro e sutilmente satírico.

Aqui, novamente temos o elenco de “Henry Sugar”. Ralph Fiennes encarna o escritor que introduz a história aos espectadores. Então é a voz de Dev Patel que assume o controle com o personagem Woods. Após chegar em casa, como de costume, depois de um longo dia, ele percebe a luz acesa sair pela janela de Harry (Benedict Cumberbatch), com quem divide um bangalô.

Woods para na porta do quarto do colega, deitado imóvel e com os olhos arregalados sobre a cama, e o escuta sussurrar seu nome. Sem entender ao certo o que está acontecendo, Woods acredita que Harry está morrendo sobre seu leito. O colega sussurra novamente o nome, pede para que tire os sapatos e se aproxime dele.

Woods obedece pacientemente e para ao lado do amigo imóvel, que conta que há uma krait repousando sobre sua barriga. Ele detalha em sussurros para Woods como a cobra foi parar ali e o orienta que chame um médico. E assim Woods o faz, telefonando para o doutor Ganderbai (Bem Kingsley) e relatando o caso. O médico acelera até o bangalô portando um antídoto para a serpente letal. Com ajuda de Woods, ele delicadamente injeta o soro no braço de Harry. No entanto, o médico ainda não está convencido de apenas isso será o bastante para salvá-lo. Então pede para que Woods vá até sua residência buscar clorofórmio, com intuito de anestesiar o réptil com o produto. Em apenas 15 minutos, Woods vai até a casa do doutor e retorna com o vidro em mãos.

Também de maneira minuciosa, o doutor Ganderbai aplica o líquido no colchão de Harry. O problema é que, conforme o tempo corre e Harry permanece imóvel em sua cama, e com medo da morte, sua impaciência vai crescendo, transformando seus pensamentos mais secretos em públicos por sua própria boca. Harry começa a proferir ofensas contra Woods e, posteriormente, contra Ganderbai.

Os enquadramentos visualmente incríveis de Wes Anderson demonstram como a tensão vai crescendo na trama, conforme o relógio anda e o tempo de Harry parece cada vez mais esgotado. Ali, em seus delírios megalomaníacos, o paciente revela-se um verdadeiro racista e xenófobo.

O tom de voz e as expressões do trio de atores também se tornam gradualmente mais graves e agressivos, nos colocando dentro do mesmo quarto que eles, no círculo de apreensão. As atuações são tão envolventes que os 17 minutos de curta-metragem parecem durar apenas segundos. Anderson traduz Dahl nas formas mais criativas e autênticas de se observar o comportamento humano e as dinâmicas de relacionamento.


Filme: Veneno
Direção: Wes Anderson
Ano: 2023
Gênero: Suspense/Comédia
Nota: 10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.