A experiência à frente de videoclipes de astros do pop como The Weeknd, Skrillex e Sam Smith decerto ajudou Grant Singer a cultivar a disciplina necessária para levar a termo um projeto tão magnificentemente pretensioso como “Camaleões”. A estreia de Singer dirigindo ficção não vai muito além do óbvio; contudo, o domínio exato sobre o que quer de cada ator faz a sensível diferença que separa seu filme de parte considerável dos suspenses policiais, mormente, por óbvio, os de realizadores de primeira viagem. À medida que a história ganha substância, vai ficando clara a intenção de Singer quanto a não se render ao lugar-comum, tarefa nem sempre fácil e que executa apenas irregularmente em muitas ocasiões. Mesmo assim, não se pode negar que o filme rompe o gelo e apresenta uma visão estimulante sobre o que se passa em cena, como se nunca deixasse de preparar o espírito do público para a conclusão agradavelmente farsesca.
A partir de certa idade, homens precisam de um motivo qualquer para recomeçar. É por aí que segue o texto de Singer, Benjamin Brewer e Benicio Del Toro, que só aparece no meio do segundo ato, mas em caráter definitivo até o encerramento. Enquanto isso, “Camaleões” deriva acerca do cotidiano de Will Grady, um sujeito que até então parece jamais ter padecido de nenhuma agrura e nenhuma grande privação. Justin Timberlake encarna essa alma quase pura com a competência habitual, ressalvando-se que personagens cuja ambiguidade moral vem à luz num ritmo às vezes insuportavelmente moderado ao espectador caem muito bem a sua estampa de bom moço. Grady, um megaempresário do mercado imobiliário de Scarborough, nordeste da Inglaterra, acaba de comprar a preço de banana um palacete numa região tranquila da cidade, o que seria razão de orgulho para a mãe, Camille, de Frances Fisher, não fosse pretender morar com Summer Elswick, a namorada vivida por Matilda Lutz.
Singer elabora esse conflito inaugural de modo a revelar somente o que não faz diferença no entendimento geral da trama. Quando encontra seu cadáver, vítima de homicídio bárbaro, sua sorte vira, como era de se esperar; esse é o gancho de que o diretor se socorre a fim de recrudescer sobre o personagem de Timberlake a responsabilidade pelo crime, investigado por Tom Nichols, um detetive conhecido por seu empenho paranoico em acompanhar casos semelhantes, e seu parceiro Dan Cleary, com que Ato Essandoh faz o contraponto ao temperamento soturno de Nichols.
Del Toro investe acertadamente nesse lado obscuro de seu anti-herói, emprestando-lhe a melancolia tão bem sugerida por seus olhos grandes adornados por olheiras nada menos que abissais. O casamento algo tortuoso demais com Judy, de Alicia Silverstone, também oferece respiros para um enredo destacadamente obscuro e mesmo sufocante, num debute primoroso de Singer.
Filme: Camaleões
Direção: Grant Singer
Ano: 2023
Gêneros: Drama/Suspense/Policial
Nota: 8/10