Tu vinhas, ele vinha e eu vinho. Sempre vinho! Dizem que o vinho é a única bebida capaz de igualar, através do êxtase, deuses e homens. Desconheço bebida tão provocativa e sedutora. Creio que o vinho é um homem maduro, elegante e sedutor, que aguarda ansiosamente ser libertado da garrafa, para então amaciar os pensamentos de quem o invoca. Tomar vinho tornou-se para mim um ritual de enamoramento. Escolher o vinho é como fitar pretendentes num cardápio e aguardar ansiosa sua chegada à mesa. Segurar delicada e firmemente as pernas da taça faz com que eu me sinta estranhamente sexy, antes mesmo de começar a entorpecer o instante. Coloco o vinho para dançar, ele rebola suave vestido em saia transparente, para então fazer o buquê suspender no ar. Respiro, respiro. Só depois, ao bebê-lo, sinto passear pela língua as notas gustativas. Desce suave, elegante, deslizando todo seu corpo pela garganta. Ao final, me entrego aos taninos que prendem o gosto na boca, a prolongar por mais alguns instantes as notas descobertas. Depois, carrego pra dentro de mim todos os segredos ébrios de um Deus. Baco já era e eu também. Agora, dividimos o mesmo copo, o mesmo corpo, a mesma mente.
No começo, escolher e beber um vinho provoca uma sensação extremamente desconfortável. Todos aqueles nomes estranhos parecem zombar da nossa cara. Bobagem. Ninguém precisa ser sommelier, enólogo, enófilo ou metido a besta para curtir as delícias que o vinho oferece. Beber vinho é permitir sentir que cada taça traz uma sensação, suscita coisas diferentes. É simplicidade, é respeitar o paladar, o olfato. Ir navegando entre o gosto e o desgosto, até entender qual combina com você. No final, descobrimos que um bom vinho mesmo é aquele que nos agrada e ponto.
Crianças e vinhos sempre contam a verdade, pois hei de lhes contar algo: nenhuma das minhas noites memoráveis começou com uma salada, mas sim ao som das taças se tocando alegres. Por isso, para o dia derramado, para a noite encostada a sós: Syrah. Para uma festa a dois, para entornar o instante, para imortalizar o encontro: Bordeaux. Para memória, para a desculpa da saúde, para o coração, para transcender às tempestades do dia: Cabernet. Antes do jantar, antes do beijo, do sexo, antes que a noite nos entorne a razão: Malbec. Em dias cálidos, em noites que pedem para alegrar-se, para celebrar: Pinot Noir. Para beber enquanto cozinha, para rir com as amigas, para o encontro tão esperado, para matar a saudade: Merlot.
Para o poeta Vinicius de Moraes o uísque era uma espécie de “cachorro engarrafado”, o melhor amigo do homem. Bebida nenhuma nunca foi minha amiga, jamais violou integralmente minha razão. É para mim um convite gentil que nos conduz a uma agradável alegria. Uma celebração à vida, apenas uma das tantas maneiras pelas quais é possível tornar um instante memorável. Não adianta chorar pelo dia derramado, abra outro dia. É assim que vejo, tristeza não é um tipo de coisa pra se beber. Tomemos, pois, para estimular, avivar, espertar, incitar, aquecer, aguçar, apurar; instigar uma alegria que já é nossa e que às vezes dorme recolhida à espreita de despertar.
Tim tim, salud, kampai, cheers, a votre santé!