Não há dúvidas quanto a habilidade de Noah Baumbach em traduzir para as telas dilemas cotidianos e diálogos realistas, aproximando os espectadores de seus personagens e promovendo um refinado senso de identificação. Seu olhar ao enxergar a beleza do trivial é bastante apurado e, assim como em outras de suas obras, é a cereja do bolo em “A Lula e a Baleia”, drama familiar no qual Baumbach dirigiu e escreveu. Intimista e baixo orçamento (seu custo foi de aproximadamente 1,5 milhão de dólares), o longa-metragem gravado em apenas 23 dias acompanha o drama da família Berkman quando os pais, Bernard (Jeff Daniels) e Joan (Laura Linney), decidem se divorciar colocando os dois filhos, Walt (Jesse Eisenberg) e Frank (Owen Kline), em um fogo cruzado.
Este não é o primeiro filme do cineasta que toca nesse delicado tema da degradação de famílias. As turbulências dos lares desajustados sempre foram temas recorrentes de suas diegeses, e no impressionante “História de um Casamento” o mote é abordado com ainda mais delicadeza, dramaticidade e emoção. “A Lula e a Baleia” foi inspirado no doloroso divórcio dos pais de Baumbach. Esse estudo de personagens deve ter ajudado o próprio cineasta a digerir esse trauma do passado e a encarar dores enterradas.
Com nuances de drama e comédia, Baumbach explora como cada pessoa, em particular, de uma família moradora do Brooklyn é afetada pelo divórcio. Bernard e Louise, assim como os pais do cineasta, são escritores, mas estão em diferentes estágios de suas carreiras. Enquanto Bernard é um professor universitário cuja carreira literária está decadente e recebendo “nãos” das agências nas quais envia seus projetos, Louise está em ascensão. E a crise não parte diretamente de uma insegurança de Bernard, embora possa ter alguma relação, mas com o fato de que as coisas esfriaram. Louise teve um caso de quatro anos com um psiquiatra e nunca fez esforço para esconder a traição de seu marido. Agora, namorando o professor de tênis do filho caçula, Ivan (William Baldwin), ela parece estar em busca de um parceiro mais divertido e sexualmente ativo.
Bernard parece estacionado. Não apenas em sua carreira, mas também emocionalmente, tanto que se mantém estoico diante da infidelidade de Louise até que decide dar a ela seu espaço, saindo da casa da família e se mudando para uma casa do outro lado do Prospect Park. Um outro aspecto de sua personalidade é sua pretensão intelectual. Ele está a todo momento julgando o nível de inteligência das pessoas e usando modelos de artistas intelectuais impopulares para justificar seu próprio fracasso.
Louise e Bernard decidem dividir igualmente a guarda das crianças, que devem passar metade da semana com a mãe e a outra metade com o pai. Enquanto o caçula Frank se mostra um admirador incondicional da mãe, Bernard tem em Walt um aliado imbatível. Não é difícil ver os dois irmãos em uma disputa intencional sobre qual dos pais é melhor que o outro.
Walt é um adolescente que vê sua sexualidade desabrochar depois que uma estudante se torna inquilina em um dos quartos da casa do pai. Lili (Ana Paquin) é uma jovem atraente, que chama tanto a atenção de Walt como de Bernard, colocando-os, em determinado momento, como rivais. E é neste momento que o adolescente retira o pai do pedestal para enxergá-lo como apenas um ser humano que pode decepcioná-lo como os demais.
Baumbach explora a humanidade de Bernard e Louise e os usa para desconstruir a imagem perfeita e inabalável dos pais. Ambos parecem ainda estar amadurecendo dentro de seus corpos de adultos e tentando lidar com seus filhos da maneira mais parental e responsável possível. Nem sempre são bem-sucedidos, mas você percebe um esforço real nesses personagens, que só querem demonstrar o mínimo de segurança e estabilidade para os filhos.
Filme: A Lula e a Baleia
Direção: Noah Baumbach
Ano: 2005
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 9/10