O filme eletrizante com Denzel Washington na Netflix que você deveria assistir duas vezes Divulgação / Sony Pictures

O filme eletrizante com Denzel Washington na Netflix que você deveria assistir duas vezes

“O Livro de Eli” fascina em diversos trechos — para não citar um em especial, onde o personagem-título, interpretado de maneira particularmente inspirada por um Denzel Washington talhado para o papel, despe-se de sua máscara cênica. A estreia consagrou os gêmeos Albert e Allen Hughes como diretores notáveis, preocupados tanto com detalhes práticos e estéticos quanto com a própria dramaturgia, iluminada pelo texto de Gary Whitta — sem mencionar a refinada estilística.

Ninguém resiste por muito tempo sem começar a sentir a necessidade de parar tudo imediatamente e fazer um balanço sincero da própria vida, avaliando os prós e contras, reconhecendo acertos e erros, e considerar mudar de vida. Os mais sensíveis perdem a voz e se veem derramando lágrimas nada discretas, enquanto o relato ganha substância, sendo hermético apenas à primeira vista.

Eli é um andarilho solitário e desorientado numa América devastada, após anos de conflitos bélicos por alimento e terras férteis, em meio à fome crônica que se torna um tormento cada vez mais constante, e a essencial busca por água, num mundo apático, demasiado abalado para reagir após tantas adversidades. Esse homem misterioso, esquivo e sombrio, a antítese de qualquer profeta ou salvador digno de fé, segue para o oeste, em direção ao mar, por esta paisagem marcada pelo tempo implacável, restos da ganância desenfreada do homem ao longo de trinta verões, sem saber exatamente para onde deve ir nem como será sua chegada.

Seu destino é o local de origem do livro que carrega, cuidadosamente guardado, como se a frágil possibilidade de prolongar a escassa vida que lhe resta não fosse exposta a qualquer perigo enquanto estiver em suas mãos. Esse livro é tudo o que tem na vida — e o personagem de Washington não parece disposto a abrir mão de suas convicções, mesmo diante de circunstâncias adversas, enfrentando inúmeros adversários que tentam subjugá-lo e impedi-lo de cumprir seu propósito.

O protagonista responde à altura, empunhando a única arma que lhe serve de defesa, um facão cuidadosamente afiado, embora ocasionalmente se depare com pistolas, espingardas e rifles, além de bem aplicados golpes de artes marciais, momentos em que a ação se intensifica. Como último bastião do bem possível, Eli é frequentemente atacado por bandos de sequestradores e ladrões em motocicletas, talvez o ápice da sofisticação que esta terra sem lei consegue atingir. Dessas lutas físicas, aparentemente desajeitadas mas gradualmente significativas, o aspirante a redentor de uma humanidade dividida extrai o apelo popular que o distingue, mitigando em certa medida a aura filosófica do trabalho dos Hughes.

Exaltando o sépia, em tons que variam do castanho ao cinza, a fotografia de Don Burgess é mais um recurso utilizado pelos diretores para realçar o lirismo underground da narrativa — e a semelhança com as produções da franquia “Mad Max” é evidente. Contudo, Washington e os Hughes conseguem imprimir um estilo próprio e criatividade em “O Livro de Eli”.

Assim como o personagem central enfrenta seus inúmeros antagonistas, liderados por Carnegie, mais uma atuação memorável de Gary Oldman, tentando em vão corrompê-lo, Eli encontra apoio moral em Solara, a prostituta interpretada por Mila Kunis, criada por Carnegie, e em Claudia, sua mãe, interpretada por Jennifer Beals, que, infelizmente, passa despercebida.

Albert e Allen Hughes conduzem seu filme a uma conclusão que preserva a atmosfera distópica intrínseca de “O Livro de Eli” e torna a trama uma narrativa única, apesar de um argumento já conhecido. Metáfora do fim dos tempos tecida com astúcia, esta é uma história de fé na humanidade, que só conseguirá salvar-se da aniquilação definitiva se apoiada nos indivíduos certos — o que, como se observa, é uma tarefa muito mais desafiadora do que aparenta.


Livro: O Livro de Eli
Direção: Albert e Allen Hughes
Ano: 2010
Gênero: Ação/Aventura
Nota: 9/10

Giancarlo Galdino

Depois de sonhos frustrados com uma carreira de correspondente de guerra à Winston Churchill e Ernest Hemingway, Giancarlo Galdino aceitou o limão da vida e por quinze anos trabalhou com o azedume da assessoria de políticos e burocratas em geral. Graduado em jornalismo e com alguns cursos de especialização em cinema na bagagem, desde 1º de junho de 2021, entretanto, consegue valer-se deste espaço para expressar seus conhecimentos sobre filmes, literatura, comportamento e, por que não?, política, tudo mediado por sua grande paixão, a filosofia, a ciência das ciências. Que Deus conserve.