Um dos maiores clássicos do mestre do suspense Alfred Hitchcock está disponível no Looke

Um dos maiores clássicos do mestre do suspense Alfred Hitchcock está disponível no Looke

O mestre do suspense com sua habilidade única e surpreendente de contar histórias, me impressionou mais uma vez com um dos grandes clássicos de sua carreira. Hitchcock cria em suas obras um aspecto sobrenatural e consegue sustentar essa característica mesmo quando o filme não possui nenhum elemento fantástico. Conseguindo assim, criar um ambiente amedrontador e fantasioso dentro de uma realidade comum.

Isto é exatamente o que acontece em “Rebecca”. A trama narra a história de uma jovem de origem humilde que conhece o nobre inglês Maxim de Winter (Laurence Olivier) e se apaixona perdidamente por ele. Os dois, apaixonados, resolvem se casar, mas sra. de Winter (Joan Fontaine), terá de lidar com o tempestuoso passado de seu marido, que vive atormentado pelas lembranças de sua falecida ex-mulher, Rebecca.

O longa nos apresenta a uma personagem que já está morta, mas que é mais presente do que a própria protagonista, a ponto de sentirmos que seu espírito realmente está participando da vida dos moradores da luxuosa mansão de Maxim, Manderley.

A recém-chegada senhora de Winter (Joan Fontaine), que acaba de se casar com o nobre viúvo Maxim de Winter, é tão apagada que não tem nem um nome próprio. A personagem, representando as clássicas louras de Hitchcock é cativante, mas mesmo assim não tem a mesma presença da falecida. Durante todo o filme, ela tenta se encaixar em uma vida de luxo que nunca teve, e ainda vive as sombras de Rebecca, sempre tentando chegar ao menos um pouco próxima do lugar que ela ocupava.

Hitchcock consegue construir um suspense em seus filmes de forma muito inteligente. Em “Rebecca”, o espectador sabe exatamente tudo o que a sra. de Winter sabe, tornando-se assim, parcialmente ciente. Como só sabemos o que a protagonista sabe, as surpresas e grandes revelações do enredo são ainda mais impactantes, já que sabemos tanto quanto a personagem.

Seu estilo modernista de planos de câmera e montagem, geram um estranhamento positivo. Sendo assim, o cinema de Hitchcock vai do geral ao específico, fazendo com que o espectador seja conduzido para aquilo que ele deseja que o espectador observe. Um exemplo é a cena que a senhora de Winter observa a porta do quarto de Rebecca. A câmera dá um zoom na porta e a trilha sonora vai subindo aos poucos, gerando um clima de tensão e medo para a cena, resultando na valorização da curiosidade da personagem, que deseja muito entrar naquele quarto. Como se a porta estivesse a chamando.

Jean-Luc Godard dizia que existem autores que enxergam e autores que miram. Hitchcock não vê, ele mira. Ou seja, ele direciona a atenção do espectador para algo específico, para algum lugar que ele não possa escapar.

Hitchcock sempre sabe exatamente o que está fazendo. Cada acontecimento do filme é necessário. Nada é em vão, tudo é cuidadosamente pensado. É possível nos depararmos com certas dúvidas e incertezas em determinados momentos do filme, mas no final tudo é devidamente explicado e concluído. E o autor faz questão de deixar cada detalhe da narrativa muito bem amarrado.

O diretor constrói vários plots twists, mas nada é previsível. Mas mesmo que fossem, não faria diferença alguma. Já que, ao contrário de muitos filmes metidos a suspenses arrebatadores da contemporaneidade, os filmes de Hitchcock não são apelativos, e sua obra não gira apenas em torno de uma grande reviravolta.

Suas personagens também são extremamente bem construídas. Senhora de Winter é uma personagem extremamente expressiva e através de suas expressões faciais, ela consegue deixar muito claro o que está sentindo: medo, angústia, curiosidade, paixão… Fazendo assim com que nós também sejamos capazes de sentir as mesmas emoções.

A forma que a personagem Rebecca é abordada também é muito interessante. Hitchcock sempre cria grandes personagens femininas e Rebecca é a grande vilã do filme, mesmo que o espectador não a veja sequer uma única vez. A personagem é provida de tanta grandeza que nós não precisamos ver seu rosto para saber quão poderosa ela é. E é justamente essa inacessibilidade física que gera no espectador uma curiosidade que o conecta ainda mais com ela.

A governanta (Judith Anderson) também é uma personagem genial. Ela nos preenche com profundos sentimentos de raiva e repulsa, com sua personalidade atazanante. Todas as suas tentativas de atormentar a senhora de Winter fazem com que nós torçamos cada vez mais pela protagonista. E, graças a governanta, a presença de Rebecca nunca é apagada e a raiva que sentimos pela personagem é transmitida por ela.

Ao mesmo tempo que sabemos que Rebecca é uma mulher forte e poderosa, não torcemos por ela, e sim por Maxim. Mesmo depois de saber que Maxim não amava sua esposa, nós torcemos por ele. Mesmo sabendo que ele a matou, ainda que por acidente. E quando o grande plot twist no final do filme é revelado, nós nos sentimos menos culpados por ter torcido por ele.

A maior genialidade do filme é conseguir nos conectar a história de uma mulher que nunca vemos. Não a conhecemos de fato, apenas sabemos do que as pessoas falam sobre ela. Mas isso é suficiente para fazê-la a personagem mais marcante do filme. A personagem feminina diabólica que assombra o casal apaixonado. A clássica femme fatale.

Mesmo estando apenas em nosso imaginário sabemos que ela tem muito mais presença que a senhora de Winter. E aí está a grande sacada de Hitchcock: nos conectar com o inacessível. Nos transportar para o que ele quer que nós conheçamos. Nos aproximar daquilo que ele deseja. O cineasta modernista é aquele que torna o espectador ativo. É aquele que arranca seus olhos e dá para o espectador.

Esse sim é o cinema de autor propriamente dito. Quando o cineasta se faz presente no filme mesmo sem aparecer nele. Assim como Rebecca, aquela que dá nome ao filme sem precisar aparecer nele para se fazer presente.


Filme: Rebecca, a Mulher Inesquecível
Direção: Alfred Hitchcock
Ano: 1940
Gêneros: Romance/Mistério
Nota: 10/10