O cinema, em muitos aspectos, assemelha-se a uma orquestra sinfônica, onde diretores desempenham o papel de maestros, conduzindo o público por uma sinfonia de emoções. E, não por acaso, em línguas como o italiano, verbos como “conduzir” e “regir” são usados para descrever tanto o trabalho de um diretor quanto o de um regente musical.
Nesse cenário, surge “O Caso Collini”, um filme que transcende a mera classificação como um típico drama de tribunal. Lançado em 2020 e dirigido por Marco Kreuzpaintner, o filme baseia-se no romance homônimo de Ferdinand von Schirach e destaca-se por sua habilidade em mesclar diversos gêneros cinematográficos. Apresenta reviravoltas típicas desse tipo de história, embora o enredo siga sua própria lógica e se desenrole meticulosamente, sem recorrer a simplificações apressadas, mesmo à medida que o cronômetro avança e a trama chega a seu desfecho.
Kreuzpaintner respeita as escolhas artísticas de Schirach, mantendo um distanciamento emocional entre as personagens. Essa abordagem, muitas vezes rotulada como típica da sensibilidade alemã, funciona de maneira excepcional neste contexto. Apesar da tensão subjacente à história, os atores entregam performances contidas, evitando excessos emocionais. A linguagem teatral é predominante em grande parte do filme, especialmente nas cenas no tribunal, lembrando a abordagem usada por Lars von Trier em “Dogville” (2003), que também alcançou um resultado surpreendente. Em “O Caso Collini”, essa escolha se revela acertada, transmitindo a postura austera necessária em tais circunstâncias.
O filme adota um aspecto melodramático interessante, que ocasionalmente remete ao estilo de folhetins televisivos. Isso se torna mais evidente na segunda metade da história, durante o julgamento. A trama se passa em Berlim no início do século XXI, quando Caspar Leinen (Elyas M’Barek), um advogado inexperiente, aceita o caso de Fabrizio Collini (Franco Nero), um idoso sem histórico criminal que se torna réu confesso do assassinato de um empresário influente. O que Leinen não sabia era que a vítima, Hans Meyer (Manfred Zapatka), havia ajudado a pagar seus estudos e tinha uma relação afetiva com ele. À medida que o advogado se aprofunda no caso, descobre segredos repulsivos do passado de Meyer, relacionados ao regime nazista de Adolf Hitler durante a Segunda Guerra Mundial. Seu dilema se torna ainda mais complexo quando Johanna (Alexandra Maria Lara), neta de Meyer e antiga paixão de Leinen, assume um papel central na trama.
Embora muitos outros filmes de tribunal tenham recursos técnicos e narrativos mais ricos, “O Caso Collini” apresenta méritos notáveis. O diretor otimiza o tempo e insere as informações de forma orgânica, evitando que os flashbacks se tornem cansativos. O filme também mantém um ritmo consistente, e a crítica injustamente rotula como uma tentativa de cativar rapidamente o público. No entanto, a trama é repleta de singularidades que merecem ser apreciadas, incluindo a atuação de Elyas M’Barek, que assume o papel de narrador em momentos cruciais da história, surpreendendo a audiência. Até a última cena, que é inesperadamente poética, o filme evoca um senso de reparação, lembrando, de certa forma, o tema presente em “Bastardos Inglórios” (2009), de Quentin Tarantino.
Com “O Caso Collini”, Marco Kreuzpaintner inadvertidamente contribui para o cinema como uma forma de resistência contra a barbárie, destacando a importância contínua dessa luta em prol da civilização. Este filme é um testemunho da relevância perpétua das questões que ele levanta e da necessidade contínua de reflexão.
Filme: O Caso Collini
Direção: Marco Kreuzpaintner
Ano: 2020
Gêneros: Drama/Suspense
Nota: 9/10