O último grande filme de Mel Gibson acabou de estrear na Netflix Divulgação / Metropolitan FilmExport

O último grande filme de Mel Gibson acabou de estrear na Netflix

Para algumas pessoas, a vida se assemelha mesmo a um videogame, com uma legião de inimigos a perseguir o candidato a salvador da humanidade — que depois de algum tempo, nem se importa mais. A ideia central em “Mate ou Morra” orbita esse universo fantástico de temas comezinhos demais. Encerrar ciclos, virtuosos ou nem tanto; vibrar com progressos na carreira; estabelecer a família que dá o apoio imprescindível em circunstâncias particularmente infelizes; poder contar com amigos leais, aqueles que entendem, se compadecem e não sossegam enquanto não veem resolvido o problema de alguém de quem se gosta como a um irmão (às vezes mais) é uma das melhores formas de se despender a vida, bem como há quem não valorize nada disso, ou por não gozar de nenhuma dessas condições, ou por se julgar capaz de encontrar sozinho o fecho para casos intrincados demais.

Roy Pulver pula de uma categoria a outra, do lobo solitário que segue seus próprios instintos para o Dom Quixote apocalíptico que depende de uma Dulcineia para não soçobrar num oceano de dor e loucura. Conhecido pelas histórias de brucutus atormentados por um passado que não passa nunca, Joe Carnahan lança mão de um anti-herói maldito para atingir inferências óbvias, mas que clamam por serem lembradas de quando em quando.

Por um leiaute de videogame, sabe-se que alguém já tenta dar cabo de Roy pela 139ª vez. Pela desordem do apartamento, pode-se concluir também que ele faz de tudo para escapar, mas todos os dias um malandro diferente tenta rasgá-lo com um facão. Depois do 140º episódio, porém, a adrenalina parece uma vítima fácil demais para o tédio, de que Frank Grillo se esquiva jogando-se de prédios, executando acrobacias, liderando perseguições num Camaro laranja-pérola que rouba na fuga de seus algozes.

Ele já foi feliz, ele sabe quem o quer matar, e morre todo santo dia, e o roteiro de Carnahan, Chris e Eddie Borey mistura “Feitiço do Tempo” (1993), dirigido por Harold Ramis (1944-2014), com “No Limite do Amanhã” (2014), de Doug Liman, e uma pitada de mitologia egípcia. O antimocinho de Grillo encarna o deus Osíris, morto e esquartejado em catorze partes, o que acabou por eternizá-lo, mas também submetê-lo a uma vida de maldição eterna, como Sísifo.

Procurar o filho é um jeito de recriar o mundo sem tragédias, e o encontro de Roy e Joe, espelha na ficção a tocante parceria de Frank e Rio Grillo, com espaço para deambulações quase românticas com Jemma, de Naomi Watts, e os embates em que o coronel Clive Ventor, o déspota interpretado por Mel Gibson, representa o lado negro da força, nos recorda de que este é um filme quase etéreo. Apesar de ligeiro.


Filme: Mate ou Morra
Direção: Joe Carnahan
Ano: 2020
Gêneros: Ação/Ficção científica
Nota: 8/10