A despeito da nossa vontade, o tempo avança, não espera, não para, não volta, e talvez por isso mesmo, seja matéria de tanto valor, especialmente a partir do momento em que se percebe que boa parte da vida se foi para nunca mais e já não se pode dispor de todo o tempo do mundo. Os dias podem ser intermináveis, mas os anos, esses correm sem dó de quem quer que seja, nem daqueles que aproveitam e muito menos dos que ousam perder tempo. Andrew Niccol opta pela gasta premissa do tempo como moeda de troca para progressos que redundam em indiferença e arbitrariedades e faz de seu “O Preço do Amanhã” uma coleção inenarrável de clichês e bizarrices. Em essência, tudo quanto se produz é medido pelo tempo, premissa que ganhou mais vigor científico há quase duzentos anos, quando Karl Marx (1818-1883) passou boa parte da vida a peregrinar de fábrica em fábrica, primeiro em sua Alemanha natal, depois na Inglaterra, para onde teve de partir num degredo forçado e doloroso, por causa do conteúdo francamente pouco dogmático de seus textos. Dentre os conceitos desenvolvidos por Marx está a mais-valia, que nada mais é que o tempo que se leva para que uma mercadoria fique pronta. É com base nesse tempo que o industrial estima seu lucro, fundamento do capitalismo. O tempo que o trabalhador gasta para produzir alguma coisa — automóveis, creme dental, arranha-céus, filmes — nunca se converte em ganho para si, mas para quem o emprega. Pano rápido.
Ficções científicas vêm se especializando em tecer enredos cujo eixo central se movimenta à volta do argumento da tecnologia que começa a serviço do homem, mas que, num lance um tanto aleatório do destino, torna-se sua inimiga figadal, vingando-se sabe Deus de quê. Continuo a achar que o maior dos filmes contemporâneos sobre o assunto seja “Ex_Machina: Instinto Artificial” (2014), magistralmente dirigido por Alex Garland a partir de seu próprio roteiro, e quem sabe este seja o trabalho definitivo sobre a questão. Gastaria muitos bits ainda (e não seria perda de tempo) falando sobre Ava, a personagem de Alicia Vikander, um dispositivo de inteligência artificial, trancando um patético homo sapiens numa caixa de vidro e concreto que ele julgava ser o próprio Éden, mas como gosto muito do meu emprego, volto à pauta. Em “O Preço do Amanhã”, Will Salas, o personagem de Justin Timberlake, parece em algum lugar do futuro, em que, sem trocadilhos, tempo é mesmo dinheiro — meu problema com o longa de Niccol começa aí —, tanto que as pessoas (ou algo muito semelhante a isso) são programadas para ir até os 25 anos e pifar, tendo mais um ano de aviso prévio, com a opção de seguir no jogo desde que encontrem meios, legais ou não, de conquistar mais uma margem tênue para viver (?). Injustamente envolvido na morte de Henry Hamilton, vivido por Matt Bomer, um grã-fino centenário — esses neo-humanos param de envelhecer aos 25 anos, lembre-se, e por essa razão, não estranhe o fato de Rachel, a mãe de Will, ser interpretada por Olivia Wilde —, dono de uma fortuna de mais um século muito bem aplicada, mas depressivo, descorçoado da vida, Will conhece Sylvia, personagem de Amanda Seyfried, filha de Philippe Weis, papel de Vincent Kartheiser, o homem mais rico do planeta, dono de um patrimônio de séculos a perder de vista. É por meio dela que os dois, Will e a própria Sylvia, encontram a verdadeira razão de continuarem vivos. Isso se sobreviverem ao ímpeto de vingança do vilão Raymond Leon, de Cillian Murphy, que preferia que as coisas se encaminhassem de outro modo.
Eram-me inevitáveis as risadas — que foram perdendo força, contudo — sempre que alguém se referia ao valor de um produto ou serviço em unidades de tempo. A diária da suíte num hotel mequetrefe, por exemplo, custa um mês, e eu automaticamente pensava “um mês de trabalho, claro. Mas um mês de trabalho de quem? Do varredor de rua ou do banqueiro?”. E mais perguntas me vinham à roda do pensamento: “se só gente montada na gaita resiste, quem varre as ruas? Os menos ricos? E se entre esses houvesse os que desejassem trocar alguns anos (ou meses, sei lá) investindo num curso de confeitaria, abrissem uma fábrica de bolos, a longeva moda no comércio popular aqui do Brasil do hoje, e, de uma hora para a outra, perdessem tudo? Cairiam mortos, como se tivessem apodrecido de repente? Isso para não falar de equívocos concretos, como o uso de fitas de VHS na armazenagem de um catatau dessas informações todas numa era que, imagino, esteja ainda a anos-luz deste nosso pobre século 21, em que quase um bilhão de homens, mulheres, crianças e velhos morrem não por falta de tempo para viver, mas de fome.
“O Preço do Amanhã” vale pelas excelentes atuações de Timberlake, melhor ator que cantor, e Seyfried. A química dos dois é mesmo magnética, e haja carisma para sustentar um filme como esse. Por baixo, por baixo, espero que você, como eu, não segure o riso — até que a graça finde de uma vez por todas.
Filme: O Preço do Amanhã
Direção: Andrew Niccol
Ano: 2011
Gêneros: Ficção científica/Ação
Nota: 7/10