Ser adulto nos obriga a tomar decisões complexas num prazo até desumano. É esse o momento em que se insinuam possibilidades reais na carreira, às vezes sendo obrigado a prescindir dos afetos, e nesse movimento caótico a pouco e pouco, aceleramos sem notar, fazemos mil planos, perseguimos ilusões as mais aconchegantemente desvairadas, tudo para, algum dia, sacramentar o desejo oculto e quase patético de deixar uma evidência de que ousamos. A relação entre o hip-hop e o submundo vem sob a forma de uma avalanche de críticas sutis, mas contundentes em “Freestyle”, o épico marginal e selvagem de Maciej Bochniak a respeito das inclinações artísticas de um músico polonês que ainda crê em seu potencial, mas sabe que, em continuando tudo no ritmo de sempre, seu destino é incerto. O diretor consegue manter seu filme numa estimulante ambiguidade narrativa, dando realce às qualidades de seu protagonista enquanto nunca deixa de apontar-lhe as fraquezas, os defeitos, o temperamento mercurial, a vocação criminosa, menos para condená-lo que para conceder-lhe a absolvição. Ele até pode ser uma vítima de si mesmo, mas seu natural poder destrutivo é inclemente.
Dois traficantes negociam o preço da cocaína num galpão de Cracóvia. A droga está prestes a sofrer uma alta, junto com a banana, e desse fragmento inaugural do roteiro de Bochniak e Sławomir Shuty se tira a conclusão óbvia que entorpecentes se tornaram mesmo artigos de primeira necessidade, alvo da cobiça de gangues ao redor de todo o planeta por seu monopólio, e na Polônia não é diferente. Diego, o nome que Dawid usa para cantar seus versos sobre os palcos dos inferninhos de Kazimierz, um dos bairros mais visados pela juventude cracoviana, ganha um dinheiro razoável intermediando acordos entre gangues polonesas, checas e eslovacas, juntando o que pode para gravar uma demo. Ele nem precisaria empenhar-se tanto, o dono do estúdio sabe que ele é talentoso, mas as companhias não o ajudam: Farinha, o parceiro de rimas, fora capaz de roubar o microfone num episódio recente, e os dois são acabam deixando o lugar de um jeito bastante vexatório. Maciej Musialowski e Jakub Nosiadek dão uma alma tragicômica a “Freestyle”, detectada em passagens como a que mostra os dois numa refinaria caseira, tentando extrair o composto base quando o liquidificador enguiça. Algum tempo depois, Jacek e Jozef Strach, os irmãos que lideram um dos cartéis mais influentes da Polônia, são dados como mortos. Bochniak guarda um mistério nessa subtrama, reservando para o desfecho uma guinada e um banho de sangue. Nos meios-tempos, lances eróticos protagonizados por Musialowski e Nel Kaczmarek na pele de Mika, já comprometida com outro, levam a narrativa para o terreno de um romance maldito, que justifica muito dos infortúnios do rapper que não se foge da desgraça que cultiva, mas segue abrindo o coração em batidas tão poéticas quanto raivosas, quiçá uma continuação involuntária de “Rede de Ódio” (2020), de Jan Komasa.
Filme: Freestyle
Direção: Maciej Bochniak
Ano: 2023
Gêneros: Ação/Policial
Nota: 8/10