Um trabalho apurado de investigação realizado por Manfred Oldenburg e Oliver Halmburger para o documentário mais assistido da história da Netflix leva os espectadores de volta para os escombros da Segunda Guerra Mundial. Aliás, para as escabrosas memórias do Holocausto. A dupla investiga os homens condenados durante os julgamentos mais famosos da história, os dos militares alemães em Nuremberg.
Baseado no livro de Christopher Browning “Homens comuns: O Batalhão de Polícia da Reserva 101 e a Solução Final na Polônia”, o documentário “Homens Comuns: Assassinos do Holocausto” provoca verdadeiro choque no público. Com um acervo de filmagens e fotografias reais restaurados de maneira impressionante, o filme de 58 minutos traz imagens impactantes de extermínios nazistas. Apenas o documentário “Night Will Fall”, gravado em 1945 por Alfred Hitchcock e só lançado em 2014, tem imagens tão sombrias e realistas desse evento aterrador.
No idioma original, alemão, a narração é feita por Philipp Moog, mas na versão em inglês, é conduzida por Brian Cox, conhecido por seus papeis shakespearianos e pela série “Succession”, em que interpreta o patriarca multibilionário Logan Roy. Com sua voz grave e soturna, adentramos as vielas mais assustadoras da mente humana. O documentário de Oldenburg e Halmburger acompanha o julgamento contra membros de quatro esquadrões da morte do Serviço de Segurança (SS) nazista e mostra os principais acusados como seres humanos comuns e, ao contrário do que imaginamos, bem-educados, de boa aparência e mentalmente equilibrados.
Um deles é Otto Ohlendorf, um oficial alemão e figura proeminente nazista, que chefiou operações de extermínio aos judeus. Uma figura aparentemente respeitável e até mesmo simpática, Ohlendorf foi tratado como cavalheiro durante todo seu julgamento pelo juiz que, inclusive, agradeceu em diversos momentos sua cooperação no fornecimento de informações. Uma das consultoras do documentário, a historiadora Hilary Earl, destaca como gostamos de imaginar os nazistas como homens feios, monstros, perturbados e loucos e como a realidade é completamente diferente. Eram pessoas como qualquer outra e que acreditavam estar apenas cumprindo suas obrigações.
Essas conclusões polêmicas também foram expostas por Hannah Arendt em seu ensaio sobre a banalidade do mal. Ela afirma que Otto Eichmann era “um homem não apenas normal, mas inteiramente desejável” e que “o problema de Eichmann era exatamente que muitos eram como ele, e muitos não eram nem pervertidos, nem sádicos, mas eram e ainda são terrível e assustadoramente normais”.
Após se encontrar com Ohlendorf pouco antes de sua execução, o promotor do Julgamento de Nuremberg, Benjamin Ferencz, conta ter dado uma entrevista à CNN, que perguntou como foi ter ficado cara a cara com os monstros. Sua resposta impressionou os jornalistas, porque ele afirmou que “não eram monstros, eram pessoas perfeitamente normais e não muito diferentes do homem que explodiu a bomba atômica em Hiroshima, no caso o presidente Truman”. Todos eles acreditavam ter feito apenas o que era mais patriótico.
A intenção dos três interlocutores, Earl, Arendt ou Ferencz, jamais é relativizar a crueldade dos atos ou seus comissários. Pelo contrário, reconhecem neles o grau mais elevado de atrocidade que um ser humano é capaz de cometer. O que desejam, realmente, é apontar que todos podemos nos transformar em demônios diante de determinadas pressões ou situações. Todos podemos ser engrenagens, em algum momento, de um sistema opressor. Então, é necessário fazer um autoexame.
Filme: Homens Comuns: Assassinos do Holocausto
Direção: Manfred Oldenburg e Oliver Halmburger
Ano: 2022
Gênero: Documentário
Nota: 10