Agora você entende por que Peter Pan não queria crescer?

Agora você entende por que Peter Pan não queria crescer?

Peter Pan só queria pensar em coisas boas e voar. Recusava-se a crescer. Escolheu, pois então, ser criança para sempre — o destino mais revolucionário de todos. Crescer parece doloroso demais para quem vive com os dois pés metidos nos sonhos. Ninguém é tão ousado a ponto de amadurecer totalmente. Por outro lado, apequenar-se na imaturidade é pedir para ser esmagado por um gigantesco pé-de-mundo raivoso e urgente. Ainda assim, acreditar que é possível crescer para sempre talvez seja o destino mais cruel e improvável, pois, como dizia Goethe, “A idade não nos torna adultos. Não! Faz de nós crianças de verdade”.

Os que insistem na possibilidade de ser adulto o tempo todo acabam travestidos de austeridade, mordidos e contaminados pelo vírus colérico do mau humor. Param de brincar. Terminam adoecidos pela seriedade cinza que enfeitiça homens e mulheres, levando-os a crer que adultos maduros são rabugentos e ranzinzas demais para alegrar-se com bobagens. A testa franzida carimba na cara todo esforço acometido, para então apresentar-se tão sisudo diante do mundo. O coração enrugado denuncia toda contrariedade em crescer. Eu mesma não costumo levar muito a sério, gente séria demais. Acredito na beleza natural. Beleza tal enfeitada na insistência de ir buscar na Terra do Nunca, uma maneira de escapar, vez ou outra, desse mundo lamacento. Pode ser que seja sonho essa ideia de voar, encher os baldes de meninices e voltar à realidade. Tudo bem. Fazer acrobacias com os meus sonhos, entre os atos de dormir e acordar, só me fez crer na fatídica constatação de que realmente são tempos difíceis para os sonhadores.

Daqui das nuvens (lugar onde costumo sentar), posso ver a menina debruçada nos olhos dessa mulher madura que tenta equilibrar em salto alto os malabares da vida. Dá pra ver o menino aflito que mora escondido por detrás desse terno impecavelmente alinhado, que se perde todo ao não saber escolher entre dois amores, entre duas estradas, entre dois destinos. Posso ver daqui toda meninice que o poeta carrega ao escrever. Ele só quer brincar no abissal das palavras, descer e subir no escorregador. Depois, pisar com os dois pés na lama, na poça de chuva e fazer letras levantarem. Daqui das nuvens, vejo a criança barulhenta que habita seu quintal, ressurgindo a chacoalhar as boas lembranças e reivindicar uma chance — apenas uma — de descuidar-se da realidade dura e se fazer absorta em um lúcido ato de sonhar. Neste quintal, mora uma criança barulhenta que não permite esmorecer a fé, que sopra a chama e mantém os sonhos de pé. Mora uma criança teimosa que acalenta as dores, faz ninar os pensamentos dolorosos, a incredulidade nas pessoas e a descrença projetada, sobretudo, em si mesmo.

O lado lúdico nos permite amolecer as tijoladas da rotina, mas também ressurge para abrandar o desespero, as crises existenciais, emergenciais e todas as assombrações inventadas por nós. Enquanto esse lado sobreviver, estaremos mais ou menos protegidos por alguma alegria colorida. Seguros por uma insistência infantil que regula a vida, ao passo que nos regride alguns momentos, para que justamente possamos avançar.

Portanto, deixe sair a passear sua alma moleca, arteira, danada de boa pra se espalhar por aí. Deixe-a brincar, rir, correr por toda casa à procura dos sonhos escondidos. Descer a ladeira, subir, pegar a estrada errada, depois acertar. Deixa sua alma-menina tropeçar no amor, se desenganar, continuar a correr e se lambuzar dos sentimentos. Deixe-a entrar por outra porta, encontrar a novidade, pular a janela do quarto escuro, trocar de ofício, cair, ralar o joelho. Deixe-a voar sobre o muro, subir no pé de goiaba e roubar as sensações de que precisa para continuar acreditando nessa coisa toda que é viver. Afinal, ninguém precisa ser gente grande o tempo todo, pois como bem disse Simone de Beauvoir, o que é um adulto senão uma criança de idade.