Alfred Hitchcock (1899-1980) desbravou um filão inesgotável ao lançar “Psicose” (1960). A obra máxima do britânico parece que deu o sopro que faltava à inspiração represada de cineastas ao redor do mundo, e desde então, histórias sobre esses homens sem dúvida monstruosos, mas também vítimas dos abusos e crimes que reproduziram — muitos com a vontade inconsciente de serem pegos, para, enfim, terem a chance de serem ouvidos —, foram sobrepondo-se umas às outras, sempre com um olhar no mínimo perturbador acerca dessas figuras. Amber Sealey acompanha até seu último ato um tipo como esse em “Ted Bundy: A Confissão Final”, apresentando uma ficção realista, cuja estética remete o público à linguagem documental sem prescindir de seu lado opulento. O trabalho de Sealey é mais um filme sobre a vida de Theodore Robert Bundy (1946-1989), um maníaco tão sedutor quanto nefasto, capaz de perder uma legião de mulheres, atraídas por seu modo sereno de falar e seu temperamento lhano por natureza. Em “Ted Bundy: A Irresistível Face do Mal” (2019), Joe Berlinger já havia dissecado a personalidade doce de um assassino em série talvez ávido por se recuperar, mas ciente da psicopatia que o levava a atitudes bestiais, sob ligeiro controle à proporção que seu espírito diabólico se nutria do gozo pelos mortos que caíam em seu rastro.
A interpretação mediúnica de Luke Kirby personifica a aura do assassino em série fora do que se poderia definir como um arquétipo para esses personagens. Seu Ted Bundy perde a cabeça uma única vez, durante a conversa com Bill Hagmeier, o agente do FBI que não sossega até ter a chance de encontrar o facínora cara a cara. A parceria entre Kirby e Elijah Wood marca todo o roteiro de Kit Lesser, bem abastecido de passagens que sugerem a condição em que se dava o relacionamento dos dois homens, cada um muito lúcido de seu papel e da ala que representa. O texto de Lesser nunca reconstitui os crimes cometidos por Bundy, mas o que poderia ser uma grande falta acaba por virar o trunfo do enredo. A fotografia de Karina Silva dá aos cenários o ar avelhentado que permite que o espectador não abandone uma narrativa que chega a derivar pelos meandros do pensamento turvo de seu protagonista, mas volta ao leito com a mesma força. Kirby e Wood são o contraponto um do outro; há trechos em que Bundy abusa em suas elucubrações delirantes, tão próprias de uma mente vesana, mas Hagmeier — reconhecido como um dos maiores analistas criminais do mundo depois da experiência com o psicopata, responsável por uma das maiores hecatombes na ampla história de barbáries nos Estados Unidos — também não resiste e parece mesmo embarcar no trem-fantasma de seu antípoda, que o tinha como um amigo.
Ao longo de cerca de quatro anos de encontros regulares, Bundy foi confessando a Hagmeier seus trinta homicídios, todos contra mulheres e com requintes de crueldade, cometidos entre 1974 e 1978 em sete estados americanos. A esgrima retórica dos dois, no último segmento de “Ted Bundy: A Confissão Final” coroa o filme da mística funérea que essas narrativas sempre encerram, mas sem espaço para louvações ao criminoso. Theodore Robert Bundy esperou pela indulgência do governador da Flórida até o derradeiro instante, mas foi executado na cadeira elétrica na tarde de 24 de janeiro de 1989.
Filme: Ted Bundy: A Confissão Final
Direção: Amber Sealey
Ano: 2021
Gêneros: Crime/Drama
Nota: 9/10