Saí de casa como de costume para trabalhar. Dia frio, porém, belo! Sigo em direção à Avenida Paulista — coração econômico da cidade de São Paulo. Em suas calçadas, cruzo com um mar de pessoas desesperadas, correndo — de um lado para o outro — para não chegarem atrasadas ao serviço. Caminhando, tenho o hábito de observar o que está a minha volta. Nesse dia (em especial) tive uma surpresa ao olhar para uma das esquinas que cruzam com a famosa avenida. Um homem de meia idade, uma mulher com pouco mais de 30 anos e uma criança de no máximo 10 anos estavam dentro de um espaço construído com caixas de papelão. Seu formato tinha a aparência de uma casa de brinquedo, contudo, era maior. Fiquei impressionado com tal arquitetura! Entretanto, impressionado fiquei quando li um cartaz posto em sua entrada. Seus dizeres: “Amor ñ falta”.
Cheguei ao trabalho, concentrei — ao menos tentei! Mas não conseguia tirar do pensamento a casa de papelão, tampouco, a frase em sua entrada. Cumpri meu horário e retornei para casa. Como de praxe, liguei a televisão e tentei assistir alguma coisa que valesse a pena, porém, nada me deu entusiasmo. Ao desligar a TV, me deparo com um porta-retratos com uma foto da minha família — alegria estampada em cada olhar. Lembro-me deste dia: estávamos em uma “casa real”, de concreto, comemorando o aniversário de 80 anos do meu avô. No mesmo instante, dois pensamentos surgiram: família é fonte de prosperidade e porta-retratos eternizam famílias felizes!
De fato, compreendo que família é a base, o esteio, o sustento que nos transforma em seres melhores. Todavia — depois do cartaz na fachada da casa de papelão — tudo ficou vago. Consigo escrever, demonstrar, parafrasear, copiar e colar tudo de belo que há na palavra família, mas uma dúvida ainda paira: Será mesmo que porta-retratos eternizam famílias felizes? A resposta é não. Claro que não! Momentos não são definidos por imagens, fotografias. Imagens captam, sim, nossos semblantes, porém nossa alma jamais. Hoje, infelizmente, há uma inversão de valores. Preferimos dar amor às imagens, preferimos curtidas (a cada foto que postamos) a um abraço verdadeiro ou um momento a sós com as pessoas reais que vivem em nosso lar, em nossa realidade.
Procuro família imperfeita para chamar de minha! Em segundos, um comercial de uma famosa empresa de telecomunicações me vem à memória. Seu slogan: “Rótulos não vão me definir. Quem me define sou eu”. Adaptando a sua mensagem, extraio um precioso conceito: famílias de verdade não precisam de rótulos para serem felizes! Ou seja, a família perfeita é criada por pessoas imperfeitas. Não importa a sua composição ou origem; famílias nascem de lugares onde o amor e respeito fazem a sua morada definitiva.
“Era uma casa muito engraçada, não tinha teto, não tinha nada. Ninguém podia entrar nela, não. Porque na casa não tinha chão (…) Mas era feita com muito esmero!” Engraçado, olho para diversos lares e vejo o contrário. Vejo casas com teto, casas com chão, casas com camas, casas com aquecedores, casas com porta-retratos, enfim, casas com tudo. Tudo e nada dividem o mesmo espaço. Psiu, preste atenção! O tudo, aqui, nunca vai ser constituído por essências materialistas. Que fique bem claro: esse tudo é nada! Volto-me para a casinha de papelão e sua frase de boas-vindas, esqueço-me dos rótulos; carrego, a partir de agora, o seguinte dilema: “Na minha casa, na minha família, pode faltar tudo, mas, o essencial, jamais faltará: amor!”