Filme com Van Damme na Netflix fará você desligar o cérebro por 103 minutos

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A vida é mesmo um mistério, e circunstâncias inexplicáveis — e não raro sinistras — hão de manifestar sua embaraçosa influência sobre a jornada de cada um à menor oportunidade, transformando situações banais no caos que faz com que o existir pareça imerso numa substância untuosa que bloqueia qualquer movimento, dando a impressão de que a realidade cedeu espaço a uma condição muito pouco usual e muito pouco crível, algo como um sonho, longo e extenuante, que suga as energias de quem dorme e tenta, debalde, forjar aquelas imagens a seu gosto.

Todos atravessamos um momento em que somos verdadeiramente balançados pelo destino, e o personagem central de “Risco Máximo” sofre na pele a estranheza de, num instante, não ter mais a certeza sobre quem é. Especialista nessas tramas de marmanjos perseguidos pelos tantos fantasmas de sua história, que tiveram de abandonar no meio, sem escolha, Ringo Lam (1955-2018) não prescinde da ação para levar a termo o conto fatalista em que trabalha esmeradamente, achando inclusive margem para um romance — com final feliz.

Mestre de ninguém menos que Quentin Tarantino, que ja assumiu publicamente ter se inspirado em sua obra para compor “Cães de Aluguel” (1992), o honconguês despeja tudo quanto sabe de macho movie já nas primeiras sequências de seu filme, sem que o público mais ortodoxo se ressinta de uma eventual desorientação. Imagens aéreas de uma cidade bucólica ao sul da França não poderiam ser mais desconexas do que acontece lá embaixo. Um homem corre por uma viela, fugindo de dois sujeitos engravatados, até que surge outro, de carro, que quase o alcança. O roteiro de Larry Ferguson leva a ação para uma escadaria de ferro e madeira pesada no interior de um pequeno edifício, a montagem

zelosa de Bill Pankow faz com que o público os siga de perto, inclusive quando o que parece o vilão se lança de uma sacada à outra e, claro, despenca com varanda e tudo, oferecendo um refrescante espetáculo de comédia involuntária — recurso amplamente usado por Tarantino mesmo em produções tão circunspectas quanto, por exemplo, “Bastardos Inglórios” (2009).

Tomam corpo os acontecimentos enviesados que sustentam o eixo da narrativa, e a cena avança para o sepultamento de um certo major Lescourt, a quem Alain Moreau presta suas últimas homenagens. Lam amarra esse feixe inaugural de “Risco Máximo” a tudo quanto ocorre ao longo dos muito bem usados 101 minutos, explicando a ligação do anti-herói de Jean-Claude Van Damme com o sujeito que percorre toda Nice num só fôlego, um tal de Mikhail Suverov.

Não tanto mais a ser dito sobre essa beleza do cinema brucutu, suavizado pela formosura de Natasha Henstridge como Alex Minetti, namorada de Suverov — também vivido por Van Damme — e subitamente apaixonada por Moreau no desfecho. Sem maiores deambulações, como convém a um cineasta que levantou a poeira e arriscou-se até o fim.


Filme: Risco Máximo
Direção: Ringo Lam
Ano: 1996
Gêneros: Ação/Crime
Nota: 8/10