Coração quentinho: descubra o filme encantador com Seu Jorge e Noah Schnapp na Netflix Divulgação / Spray Filmes

Coração quentinho: descubra o filme encantador com Seu Jorge e Noah Schnapp na Netflix

Uma coprodução entre Brasil e Estados Unidos, “Abe”, filme de 2019 dirigido por Fernando Grostein Andrade, com roteiro coescrito com Thomaz Souto Correa e Lameece Issaq, é ambientado na Nova York dos tempos atuais. Abe (Noah Schnapp) é um garoto de 12 anos, cuja mãe, Rebecca (Dagmara Dominczyk), é israelense, e o pai, Amir (Arian Moayed), é palestino. Autodidata na cozinha, ele tenta usar seus talentos gastronômicos para unir a família, que devido às suas diferenças históricas, não se dão bem.

Sua avó por parte de mãe faleceu recentemente. Abe acredita que herdou dela suas aptidões na cozinha. Segundo Rebecca, o talento pulou uma geração, já que ela própria não é dada ao assunto. As refeições da casa são satisfatoriamente preparadas pelo garoto, que tenta descobrir sua identidade, tanto pessoal quanto na cozinha, em meio à tanta fusão cultural. Afinal, é um menino meio-judeu e meio-muçulmano vivendo na frenética e cosmopolita Nova York.

Ele prepara um almoço de aniversário e convida os familiares, mas a reunião não dá muito certo depois de uma discussão à mesa. Os convidados sequer ficam tempo suficiente para partir o bolo, um experimento de Abe que não parece ter dado muito certo. Pelo menos na aparência. Frustrado, ele decide perambular por Nova York em busca de inspiração para sua cozinha. É quando vai parar em uma espécie de feira gastronômica à beira do Rio Hudson, onde conhece Chico (Seu Jorge), um chef que mistura culinária brasileira com diversos cheiros, temperos e sabores de outros países com objetivo de unir as pessoas.

Então, Abe tem um lampejo. Ele precisa aprender a preparar uma refeição que una a culinária israelense e palestina para conseguir trazer um pouco de união e paz entre seus familiares à mesa. O garoto convence os pais de fazer uma aula de culinária para crianças durante o verão, mas ao invés de ir para o local certo, ele foge para o “Mix it up”, restaurante de Chico, onde pretende ser seu pupilo. O chef acaba concordando com o garoto e Abe passa a frequentar diariamente sua cozinha.

O começo não é fácil. Chico deixa Abe um bom tempo de molho, cuidando da louça suja e do lixo. Com o tempo, o menino finalmente é promovido a auxiliar. A experiência é enriquecedora para Abe, não apenas gastronomicamente, mas a amizade com o Chico também traz reflexões sobre seus problemas, sua família e suas escolhas religiosas. Abe pendula entre a religião dos avós maternos e paternos, planejando seu bar mitzvah enquanto faz jejum para o Ramadã. Enquanto isso, o pai tenta dissuadí-lo de ter qualquer religião e a mãe o incentiva a procurar sua própria identidade.

A trajetória de Abe com Chico o leva até um fatídico jantar entre familiares, em que o menino tem grandes expectativas de apaziguar a relação entre os dois lados. No entanto, tudo sai exatamente o oposto e o grupo recomeça uma acirrada discussão à mesa, levando Abe à triste constatação: nem sempre há algo que podemos fazer. Algumas pessoas simplesmente não podem conviver.

“Abe” mostra os inestimáveis esforços de um garoto que quer poder se sentar para uma refeição com toda sua família pacificamente. Seu coração bom, puro e doce não consegue entender os desprezos destilados gratuitamente de um grupo contra o outro. Afinal, aquelas pessoas sentadas à mesa não são responsáveis diretas pelos conflitos entre judeus e muçulmanos, mas a política e a religião tiram as pessoas de suas razões e as levam para extremos irracionais. E é isso que ocorre no filme, quando uma discussão completamente irracional leva os próprios avós a dizerem que Abe foi um erro de seus pais.

O filme explora esse tema denso sem necessariamente pesar no argumento social e torná-lo sério demais. Há alguns alívios cômicos e cenas leves, que suavizam o teor da mensagem. O personagem de Seu Jorge, Chico, tem um enorme potencial que nunca é desenvolvido. Nunca conhecemos a história daquele personagem ou ouvimos algo que seja muito profundo saindo de sua boca. Talvez na intenção de tornar o filme acessível para crianças, Grostein simplificou demais os diálogos desse personagem. O filme acaba com aquela sensação de que poderíamos ter conhecido Chico melhor.

De qualquer forma, “Abe” é uma crônica adorável, sutil e ingênua sobre famílias, sonhos, amadurecimento e pertencimento. Cada minuto de sua hora e meia são muito agradáveis e a fotografia das cenas gastronômicas são sempre de encher os olhos e o apetite.


Filme: Abe
Direção: Fernando Grostein Andrade
Ano: 2019
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 8/10

Fer Kalaoun

Fer Kalaoun é editora na Revista Bula e repórter especializada em jornalismo cultural, audiovisual e político desde 2014. Estudante de História no Instituto Federal de Goiás (IFG), traz uma perspectiva crítica e contextualizada aos seus textos. Já passou por grandes veículos de comunicação de Goiás, incluindo Rádio CBN, Jornal O Popular, Jornal Opção e Rádio Sagres, onde apresentou o quadro Cinemateca Sagres.