O escritor francês Marcel Proust gostava de jogar uma brincadeira de salão chamada “Confissões”, na qual os participantes respondiam perguntas pessoais. Em sua homenagem, hoje o jogo ficou conhecido como “Questionário Proust”. Acreditando que de Marcel para Marcelo é um pulinho oceânico, a Bula fez uma sabatina com o escritor paulista Marcelo Mirisola, MM para os íntimos.
Para alguns um escritor maldito, para outros a “voz de sua geração”, lendo Tolstói MM descobriu-se um anarquista cristão. Um autor capaz de expor seu próprio martírio no visceral romance “Joana a Contragosto”, de denunciar o ridículo da família burguesa em “O Azul do Filho Morto” ou de propor que o cristianismo não existiria se Cristo tivesse sido empalado e não crucificado, MM não faz concessões. Nem para si, muito menos para os outros. Serão suas “confissões” inconfessáveis?
Marcelo Mirisola é gênio?
Só tem um jeito de saber. Faça três pedidos. |
Marcelo Mirisola participa de clubes que o aceitam como sócio?
Depois que fui expulso da minha própria solidão, acho que nem o crematório da Vila Alpina aceitará minha ficha de inscrição. |
Se Jack Kerouac foi de Rota 66, Marcelo Mirisola vai de Belém-Brasília?
Vou tranquilo, e sem chupar nenhuma piroca. |
O que é mais doce: seu apelido MM ou um saquinho de M&Ms?
Já mordi a língua várias vezes e a sensação é péssima. Essas balas nunca experimentei. São balas de goma ou de cicuta? |
Qual a receita para manter sua fama de mau?
Ah, vá! Você me conhece, e sabe que essa fama é uma maldade. |
Você é famoso por escrever (falar?) palavrões. Já lavaram sua boca com sabão?
Nunca escrevi um palavrão na vida. Desafio qualquer um a provar o contrário e, se for o caso, substituir o tal palavrão por qualquer outra palavrinha. Não existem palavrões, mas palavras necessárias. Tente trocar uma buceta por um cu. Não vai nascer nada daí, compreende? |
Inspiração, transpiração ou masturbação?
Transpiração, o resto vem na sequência. |
Foi golpe?
Desde o famigerado dia em que o Homo Erectus, que surgiu há 1,9 milhões de anos, acendeu a primeira fogueira, tudo depõe contra, tudo é golpe. Qual o espanto? |
Se o Temer criasse o Ministério do Amor, ao estilo de “1984”, quem seria o ministro?
Mas esse ministério não existia na esplanada da Dilma? Agora você me confundiu. |
Se Dilma voltar ao posto de presidente, aceitaria por seu peso em ouro o emprego de redator dos discursos dela?
Nunca, jamais, nem fudendo. |
Você é fã de filmes de boxe. Qual foi a luta mais difícil do Rocky Balboa?
Aquela que ficou indefinida, com Apollo Creed. |
A visão de paraíso do Borges era uma biblioteca. Qual é a sua?
A cegueira de Borges. |
E a visão do inferno?
Idem. |
Quem deve ser o próximo imortal da ABL: Chico Buarque ou Jô Soares?
Se depender do Merval Pereira e do Ferreira Gullar acho que o Chico não tem chance. Jô teria que fazer mais duas entrevistas com Fernando Henrique, e nunca mais entrevistar a Dilma. Mas não podemos desprezar a candidatura do Tiririca, sempre no páreo. |
Quem é mais gênio: Paulo Coelho ou Romero Britto?
Paulo Coelho ultrapassou essa categoria faz tempo. Romero Britto tem mais pinta e colorido de gênio, eu voto nele. |
Se você fosse dançar a dança do maxixe (“é um homem no meio com duas mulheres fazendo sanduíche”) qual das três ficaria na mão: Joana a contragosto, Fátima das unhas feitas ou Paulinha Denise?
Eu danço com esses fantasmas todas as noites, e em todos os ritmos. E estou sempre ensanduichado! Vixe, engole do teu veneno e vade retro Satanás! |
Existe teste do sofá em literatura?
Claro que sim, e eu não passei. |
Já fez teste do sofá? De qual lado do sofá?
Do lado errado, sempre. |
A única cultura que restou no Brasil é a cultura do estupro?
For export. O Brasil ainda vai influenciar o mundo, Caetano aposta nisso. |
Já viu alguém batendo na madeira três vezes e dizendo “Miri-isola” quando você entrou numa sala?
Por tabela. Aconteceu algo parecido quando tomava café com um amigo. Falávamos de uma amiga comum muito querida que se casou com um babaca. Esse meu amigo contava do encontro que teve com ela e com o babaca em questão. Em determinado momento apareci na conversa deles, consta que o cara saltou da cadeira, e disse: Isola, Mirisola não! |
Qual livro de autor brasileiro você levaria para uma ilha deserta?
“Confissões”, de Nelson Rodrigues. Uma excelente companhia, porque literatura, antes de qualquer coisa, é companhia. |
Qual autor brasileiro você deixaria na ilha deserta?
Pra ilha deserta levamos livros, não deixamos. Só tem uma resposta lógica para essa questão: nenhum. |
Preferiria entrar na ABL ou no BBB?
Na Apae, e de muito bom grado. Aliás: vou deixar os direitos autorais de todos os meus livros para a Apae. |
Um livro para ler bêbado?
Não consigo. Nem ler, nem escrever bêbado. Impossível. |
Um livro para ler sóbrio?
Tarefa mais difícil. Sóbrio e lúcido e cônscio da cagada em que desde sempre estivemos metidos: “É Isto Um Homem?”, de Primo Levi. |
Você escreve mais do que lê ou lê mais do que escreve?
Já passei intensamente por essas duas situações. Hoje prefiro catar coquinhos. |
Qual será o próximo Nobel de Literatura de Língua Portuguesa?
Problema é que dona Raquel de Queiroz morreu. Torço pro Reinaldão Moraes, não existe ninguém hoje no Brasil que domina o idioma como ele. |
A Língua Portuguesa é mesmo o idioma da solidão?
Em Lisboa essa constatação é mais evidente. Descobri, aqui, que a língua portuguesa, além da solidão precípua, tem a capacidade de implodir também. |
Qual será seu epitáfio?
Abre meu próximo livro de aforismos, microcontos, cronicontos, desaforos, entrevistas, caneladas, epifanias, pragas, spleens e danações, tapas na cara, beijos na boca, milongas e despedidas. Seguinte: “Cisquei. E tive o privilégio de conhecer Ituporanga, a terra da cebola”. |