Divertido e sedutor: filme fenômeno de bilheteria com Kevin Spacey está na Netflix Divulgação / Columbia Pictures

Divertido e sedutor: filme fenômeno de bilheteria com Kevin Spacey está na Netflix

Faturar centenas de milhares de dólares numa única noite é sorte pura, certo? Até pode ser, mas existe quem saiba de um jeitinho de se dar uma mão ao acaso. É gente versada em números e nos cartesianos sortilégios que fazem-nos dizer exatamente quantos coelhos saem de uma cartola — e, o principal, que os arranca de lá se não saem de imediato —, um grande risco quanto a se manter intacta a roda que tem feito girar bilhões de dólares há 110 anos, desde 1913, momento em que os cassinos foram regularizados em de Las Vegas, uma jogada imprescindível para a expansão daquela cidade árida e sem muitas perspectivas, isolada no meio do deserto de Mojave. É por aí que transita “Quebrando a Banca”, tentando explicar à audiência leiga o método a se aplicar para se ter sucesso no jogo, o que, como predica a ilustrada voz cava das ruas, implica malogro em outros campos. Dando corpo a “Bringing Down the House: The Inside Story of Six MIT Students Who Took Vegas for Millions” (“quebrando a banca: desvendando a história dos seis estudantes do MIT que levaram milhões de Vegas”, em tradução livre, sem edição em português), o livro-reportagem de Ben Mezrich publicado em 2002, Robert Luketic orienta-se com rigor pelo que se lê no subtítulo, encontrando margem, claro, para elaborar o perfil e o fluxo de consciência dos protagonistas, sonhadores levados pela enxurrada de ilusões entre uma e outra ficha.

Os roteiristas Allan Loeb e Peter Steinfeld aludem ao dito folclore de Vegas, que se socorre de seu epíteto de Cidade do Pecado para justificar a conhecida (e falsa) aura daquele éden decaído, que corporifica a realização de todos os sonhos, onde tudo é permitido, um lugar que fareja os vitoriosos e sabe recompensá-los muito bem. “Ao vencedor, jantar grátis” — ou “Ao vencedor, as batatas”, do humanitismo de Quincas Borba, o niilista mais famoso da literatura nacional — e uma expressão usual entre os viciados que fazem a alegria de crupiês e a alimentam a fortuna dos donos dos majestosos complexos de entretenimento da cidade mais rica de Nevada e decerto a mais freneticamente exagerada dos Estados Unidos, perfeita representação do capitalismo predatório e salvífico que é a gênese mesma da América. Evidentemente, nem Mezrich, nem Luketic, Loeb ou Steinfeld leram Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881), de Machado de Assis (1839-1908) — e tanto menos os frequentadores dos antros vermelhos e brilhantes revestidos de damasco e mogno onde caça-níqueis feéricos trabalham a 24 por 7 —, mas o diretor aposta (ops!) na ciência investigada por “Bringing Down the House” para alcançar as conclusões que sustentam o filme. Micky Rosa, o professor de probabilidade do MIT, o Instituto de Tecnologia de Massachusetts, um dos mais respeitados do mundo na formação de novos aplicadores da matemática, da engenharia e da inteligência artificial, ministra aulas um tanto suspeitas. Rosa explana suas desvairadas teorias usando o vinte-e-um, a modalidade mais popular entre os jogadores. Quando é procurado por Ben Campbell, um aspirante a candidato de uma vaga na faculdade de medicina de Harvard, Rosa junta à fome a vontade de comer, aproveitando-se da ingenuidade do garoto. Luketic é expedito na condução de trama para o decisivo segundo ato, em que detalha o relacionamento ambivalente, degradante, tóxico do professor frustrado e um jovem disposto a tudo para subir, citando o projeto que Campbell, algo relacionado à robótica em que os conhecimentos de Rosa em logaritmos podem ser úteis. Caso ganhe a competição, fatura uma bolsa de estudos de trezentos mil dólares, mas é convencido a embarcar num esquema de leitura de cartas, onde multiplicaria esse dinheiro em progressão geométrica. A narrativa migra de Boston para Las Vegas, onde a parceria de mestre e discípulo revela-se melhor que a encomenda. Kevin Spacey e Jim Sturgess batem uma bola redonda, dando a entender que o esquema vai longe. E iria mesmo, não fosse Cole Williams, o matreiro segurança vivido por Laurence Fishburne, que percebe as combinações de palavras, os esgares, as viradas de olhos. Não demora para que Campbell seja levado ao porão do estabelecimento, onde é torturado até que Williams confirme suas desconfianças. A casa cai, finalmente.

A solução deus ex machina tirada pelo diretor do epílogo do relato de Mezrich não surpreende, por óbvio, mas nota-se que é crível. O golpe dentro do golpe, aplicado por Rosa não sai impune, bem como o mocinho de Sturgess também paga sua cota de agonia frente ao que lhe reserva o destino, numa beleza sequência ao lado de Jill Taylor, a namorada, papel em que Kate Bosworth surge bissextamente, mas nunca sem propósito. Campbell expia suas culpas, se refaz, entra em Harvard, forma-se médico e, o principal, aprende a lição mais elementar, sobretudo nesse meio: o que vem fácil vai fácil.


Filme: Quebrando a Banca
Direção: Robert Luketic
Ano: 2008
Gêneros: Drama/Policial
Nota: 8/10