Há algo de sensível, raro e belo em filmes de humor observacional. Sua tradução tragicômica do cotidiano parece um lampejo libertador sobre a vida. “Gente de Bem” é desse tipo. Com uma nota injustamente mediana de 6,2 no IMDb, o longa-metragem dirigido e adaptado para as telas por Nicole Holofcener, baseado no livro de Ted Thompson, retrata a agridoce dinâmica entre duas famílias de classe-média de Westport, em Connecticut.
No centro da dramédia está Anders Harris (Ben Mendelsohn), um homem de meia-idade que, se sentindo infeliz e confuso, decide se separar de sua esposa, Helene (Edie Falco), na esperança de recuperar sua joie de vivre. As coisas não saem bem como planejado. Após seis meses, sua ex-mulher já tem um novo namorado morando sob seu teto. Além disso, os encontros de Anders com outras mulheres têm resultado em uma sucessão de fracassos na cama. Devendo a hipoteca da casa que prometeu deixar para Helene, ele não consegue conciliar o que recebe de aposentadoria e suas despesas.
O filho do casal, Preston (Thomas Mann), de 27 anos, é um ex-dependente químico que depois de se formar na universidade retornou para a casa dos pais e trabalha como entregador. Para Anders e Helene, é um desperdício de seu potencial, embora Preston ainda esteja tentando desvendar o quebra-cabeça de seu futuro.
Na casa vizinha, Mitchell (Michael Gaston) e Sophie Ashford (Elizabeth Marvel) são pais de Charlie (Charlie Tahan). Amigos de décadas de Helene, o casal vê Anders como um fracassado. Mas, para sua infelicidade, o filho adolescente, que também tem problemas com drogas, vê o vizinho como uma pessoa autêntica e que não se importa com a opinião dos outros. A amizade improvável entre Charlie e Anders não será nem um pouco bem-recebida pelos Ashford, que querem obrigar o filho a se internar em uma clínica de recuperação. A necessidade de forçar o filho a entrar nos trilhos não é exatamente uma preocupação com seu bem-estar, mas com a preservação da boa imagem da família.
Ao longo do filme, alguns eventos aleatórios e absolutamente comuns ocorrem, até que uma tragédia abala a vida de todos deste pequeno círculo. Mas durante o desenrolar da história, que é arrastado e melancólico, situações em que uns personagens tentam medir suas vantagens e desvantagens em relação aos outros revelam uma sutil crítica sobre a hiprocrisia da classe média, seu termômetro do sucesso e como cada um se baseia nos próprios parâmetros para julgar o comportamento e as escolhas dos outros.
“Gente de Bem” consegue bordar seus argumentos em cima de uma trama tão delicada, que conseguimos nos enxergar na pele de qualquer um dos personagens em diferentes momentos. Todos vivemos na mesma caverna de Platão, onde a sombra projetada é bem diferente do que aquilo realmente é.
Não há mocinhos e vilões dentro deste enredo, mas vidas complexas vivendo sob a superfície de um status social. Como todo ser humano, os personagens adaptados no filme por Nicole Holofcener estão em busca da felicidade e, embora sejam relativamente bem-sucedidos, a maioria de suas escolhas são autodestrutivas e equivocadas. Há um realismo e uma sensibilidade muito forte da história em explorar sentimentos tão humanos e tão erráticos, mostrando como somos dicotômicos e pendulamos tanto para o bem quanto para o mal, mesmo que sem querer ser um ou o outro, apenas em busca de nós mesmos.
Filme: Gente de Bem
Direção: Nicole Holofcener
Ano: 2018
Gênero: Drama/Comédia
Nota: 10