Um policial até pode sair da polícia, mas o senso de se fazer justiça sem as tantas firulas dos trâmites processuais — que nem sempre chegam aonde deveriam chegar — tarda muito a deixar de fazer parte do cotidiano de alguém que dedicou seus melhores anos ao trabalho de combater o perigo imanente das ruas, desembaraçado quanto a espalhar-se para todas as esferas da sociedade.
Hábil em expor o submundo de sua terra e de seu povo, o honconguês Johnnie To faz de “Blind Detective” um thriller para muito além do clichê, ainda que saiba que os conflitos apresentados em seu longa não sejam propriamente originais. Aqui, a degenerescência moral é a grande preocupação do diretor, que centra numa figura vulnerável a chance de salvação de pessoas desnorteadas por falsas promessas, pelas ilusões despertadas aos gritos, frustradas com seus projetos inexequíveis, seduzidas por suas ideias tornadas fora de propósito.
O cenário melancólico daqueles que se deixam levar pela corrente e não voltam é das matérias-primas mais abundantes no mundo quando se deseja contar uma história que todos podem entender, a despeito de se passar do outro lado do mundo.
Pelas ruas de Mongkok, bairro de Hong Kong afamado pelo grande fluxo de pessoas em busca de roupas e acessórios, um homem cego se locomove sem nenhuma dificuldade. Na sequência, a âncora do telejornal veiculado na tela de um edifício avisa que uma garrafa de ácido sulfúrico foi despejada do alto de um dos inúmeros arranha-céus da vizinhança, justo na faixa de pedestres de um grande cruzamento. Este é já o terceiro caso, o número de mortes extrapola a centena e a polícia oferece uma recompensa de novecentos mil dólares locais (cerca de 567 mil reais) por qualquer informação.
O cego vai atras de um gordo de camisa branca com listras, e desses registros impessoais de uma megalópole asiática, o roteiro de Ryker Chan, Ka-Fai Wai e Nai-Hoi Yau passa às imagens quase clandestinas de uma mulher tentando incorporar uma personagem histriônica numa brincadeira doméstica, enquanto o personagem-título aprofunda-se em investigações exóticas, para dizer o mínimo, no rastro de um assassino cruel e meio devasso.
Chong Si-teun, o típico herói vivido por Andy Lau, divide os grandes momentos de “Blind Detective” com Ho Ka-Tung, a insólita antimocinha de Sammi Cheng. Johnnie To não é tão preciso e resta ao público imaginar em que contexto os dois se esbarraram, mas a graça do argumento central, que seduz quem assiste com elementos cada vez mais absurdos, vence sem cansar.
Filme: Blind Detective
Direção: Johnnie To
Ano: 2013
Gêneros: Drama/Ficção policial
Nota: 8/10