Ou a vida não tinha passado por mim, ou eu ainda não tinha passado pela vida. Das duas, uma. Tanta gente celebrando o amor, jurando a eternidade em olhares líquidos e beijos inebriantes, entre alento, calentura e umidade. Como eu gostaria de estar ao teu lado e fazer as tolices românticas das quais me rendo à graça, cometer as sandices de um amor escandaloso e escancarado, me entregar como propriedade exclusivamente tua e te chamar de meu no alto da autoridade de um reinado só nosso. Se existe a tal da inveja branca, essa é a minha. Assumo, sem o menor pudor, do quanto eu gostaria de ter você aqui comigo, mesmo sem — ainda — ter te conhecido.
Eu sei, parece loucura. Mas não é. Não existe delírio mais sano quando se trata de amar. Sou mera mártir do sistema falho amoroso, apenas uma metade solta, perdida neste universo de panelas com tampas e tampas e panelas avulsas. Ainda sem saber se sou tampa ou se sou panela, me pergunto se você existe e se existem mesmo as metades iguais, um amor sob medida, o encaixe perfeito entre dois corações que se completam. Talvez o tempero das relações felizes esteja, justamente, no destempero entre um e outro. Se assim for, aí está a minha pena: procurar em você uma perfeição que não é tua.
É que a gente cisma em buscar um amor perfeito, que seja como nós, como se nós fossemos o modelo da virtuosidade. Queremos alguém que nos compreenda e nos aceite, que nos ame sobrenaturalmente, que não argumente contra, que não opine ao avesso, e por aí vai. A lista de exigências é extensa. Parece difícil, mas diante de muito esforço, tropeços e feridas, nós até que encontramos.
Acontece que, mais dia, menos dia, o prazo de validade do encantamento expira, a sedução é vencida pela rotina, as ideias começam a ser confrontadas, obviamente, porque somos seres sortidos, cada um com a sua bagagem. Quando deixamos que o descontentamento e o aborrecimento construam incertezas dentro de nós, começamos a domesticar o amor, a pôr coleira no que antes era bicho solto e faceiro. Bom, o fim da história todo mundo já conhece.
Hoje, o meu peito melancólico e desejoso faz a prece daqueles que querem amar e ser amados. Persisto na tua busca honesta, na intenção de um recomeço com final feliz, peço descaradamente aos céus pela clareza para te diferenciar na prateleira dos corações avulsos. Rogo pelo discernimento em notar que a tua diferença me complementa. Prometo ser boa menina e cuidar bem de você, como a criança jura nas vésperas do Natal.
Ao mesmo tempo que eu te procuro por todos os lados, também te espero no canto de sempre, naquela mesa ao lado da janela, junto aos girassóis. Estou pronta para seguir de mãos dadas contigo, seja qual for o caminho, seja do jeito que for. Você só precisa chegar e a mim só me resta partir na embarcação daqueles que amam por todo e sempre. Amém.