Em um cenário cinematográfico frequentemente dividido entre blockbusters repletos de efeitos especiais e dramas independentes com pretensões artísticas, “Em Ritmo de Fuga” faz uma entrada audaciosa. Descrito como um “musical pós-moderno” pelo veterano diretor de fotografia Bill Pope, o filme é uma exploração dinâmica da simbiose entre imagem e som, uma ponte inusitada entre dois elementos frequentemente tratados como independentes no mundo do cinema.
O roteiro se desenvolve em torno de Baby, interpretado com sutileza por Ansel Elgort. Ele é um motorista de fuga para uma organização criminosa e sua destreza ao volante é tanto um meio de sobrevivência quanto uma forma de arte. Contudo, ele não é apenas um anti-herói habilidoso; Baby leva a condução a um nível diferente. Armado com um iPod e uma playlist meticulosamente selecionada, ele transforma cada missão de fuga em uma performance, sincronizando cada derrapada, aceleração e frenagem com o ritmo das músicas que escolhe.
Esta abordagem da trilha sonora como um “personagem” adicional eleva o filme. Não é apenas um recurso estilístico, mas um mecanismo narrativo que impulsiona a história. A trilha sonora abrange um espectro amplo, desde a suavidade de Barry White até a energia dos Beatles, e cada faixa parece ser uma extensão da psique do protagonista. A montagem e o design de som estão tão integrados que não só complementam como ampliam a experiência visual, criando uma imersão multisensorial raramente vista em filmes convencionais.
Ao mesmo tempo, “Em Ritmo de Fuga” não é unidimensional. Baby é um personagem que carrega uma complexidade emocional e psicológica. Ele está atolado em uma dívida com Doc, seu enigmático e manipulador chefe criminoso, interpretado com um toque sombrio por Kevin Spacey. Baby usa a direção não apenas como um emprego, mas também como uma forma de fuga – uma válvula de escape que o permite distanciar-se de uma realidade complicada. A chegada de Debora, interpretada por Lily James, funciona como um catalisador para sua evolução pessoal e oferece um vislumbre de uma vida diferente, mais autêntica e livre.
A complexidade do personagem é ainda mais aprofundada pela sua faceta como DJ amador. Esse traço específico não é apenas um detalhe pitoresco; é um reflexo do modo como Baby interage com o mundo. Sua inclinação para remixar diálogos cotidianos surge de um trauma de infância que o deixou com um zumbido crônico nos ouvidos. Para ele, a música não é apenas entretenimento, mas um bálsamo, uma forma de terapia que ajuda a silenciar o ruído interno.
A decisão de evitar CGI e optar por sequências de ação mais realistas adiciona outro nível de autenticidade. Isso também contribuiu para as nomeações ao Oscar que o filme recebeu em categorias técnicas, embora não tenha conseguido levar nenhum prêmio para casa.
“Em Ritmo de Fuga” é uma proposta que desafia categorizações simplistas. Ele não é apenas um filme de ação ou um drama psicológico, mas uma mistura bem executada de ambos. É um filme que reconhece o poder do cinema como um meio capaz de oferecer entretenimento puro enquanto faz comentários significativos sobre a complexidade da condição humana. O resultado é uma obra cinematográfica que é tanto emocionalmente envolvente quanto intelectualmente estimulante, desafiando a noção de que entretenimento e profundidade são mutuamente exclusivos.
Filme: Em Ritmo de Fuga
Direção: Edgar Wright
Ano: 2017
Gênero: Ação/Musical
Nota: 10/10