Feche os olhos. Encoste uma boca na outra. Dá-me sua língua e saliva. Dou-te um universo de feromônios, cheiros e um gosto meu. Beijar é oferecer algo que nunca mais será seu. É permitir-se atravessar — ser engolido pelo céu de uma boca estrangeira, por onde perfilam os mistérios do outro: seu erotismo, sua maciez, sua calidez, ou todo avesso deflagrado num encontro incompatível.
Beijar é um instante de vertigem, um atravessamento sob o qual prefiguram os sentidos e suas descobertas. O beijo oferece pistas sobre o parceiro, radiografa a compatibilidade ou não entre dois. Cada beijo carrega uma intenção, uma expressão. Beijamos por costume, formalidade, paixão, prazer ou por respeito. Nos contos, o beijo é capaz de devolver a vida a uma princesa, desenfeitiçar e dar forma humana a um sapo gosmento. Entre Judas e mafiosos, um beijo na testa é sentença de morte. Para um antigo guerreiro grego beijar-lhe o peito é sinal de respeito e hierarquia. Beijo de mãe cura e inocula vacinas naturais no bebê. O beijo de Esquimó acontece no encontro entre narizes, beija-se o cheiro do outro. O Beijo de Rodin esculpe o proibido, o trágico e erótico encontro entre amantes. O Beijo cubista de Picasso desorganiza a realidade e o sensual, é um tipo de pintura que beija o estranhamento. Em “A Dama e o Vagabundo”, o clássico banquete de macarrão foi motivo suficiente para protagonizar uma das cenas de beijos mais reproduzidas do cinema.
Mas afinal, por que beijar é algo tão prazeroso?
O certo é que a boca é inicialmente o lugar por onde o mundo é experimentado. Para os psicanalistas, o beijo seria a continuação do prazer originado no ato de sugar o seio: a busca do seio da mãe nos lábios dos outros, e concluem, adoramos beijar porque o beijo esteve presente em nosso primeiro amor verdadeiro. Ao beijar somos alimentados e alimentamos também aquele a quem beijamos. O deslizar dos lábios, a movimentação de dezenas de músculos da face, fazem carregar o gosto do outro pra dentro da gente. Beijar vai além de um simples gesto de intimidade. Quando tocamos a pessoa certa, o beijo excita, faz correr o batimento cardíaco, liberar endorfina, faz escorrer o prazer. Por essa razão beijar vale mais do que uma boa dose de antidepressivos. Guardadas as proporções, é isso, indiscutivelmente o beijo é um antidepressivo natural. Mesmo sendo a boca um ecossistema povoado por milhares de bactérias, o beijo é um gesto afetivo irresistível à felicidade.
Beijo apertado, pressionado, suave, estalado, lambido, selinho, selado, sugado. Beijar, beijar, beijar. Quem não beija, deixa claro que não tem tempo suficiente para o outro. Beijar é a maneira mais gostosa de demonstrar afeto. Encerro aqui, pois cada palavra a mais escrita é um beijo a menos que darei. Preciso contar uns segredos ao pé da boca de alguém. Vou, pois “a vida fica muito mais fácil se a gente sabe onde estão os beijos de que precisamos”.