Edmund Husserl, em seu livro “Meditações Cartesianas”, define o seu método fenomenológico como uma espécie de neocartesianismo. Isto porque, ele retoma duas questões consideradas essenciais quando o assunto é a modernidade filosófica e o seu principal representante, René Descartes, tais quais: I) o questionamento de tudo aquilo que é tido como certeza imediata, a exemplo de alguns pressupostos e crenças (sensoriais e/ou imaginativas) encaradas como verdades inabaláveis; e II) o surgimento do sujeito como base segura e fonte primeira de todo conhecimento, com o qual inaugura-se — graças a esse método de análise cartesiana —, uma proposta de refundação das ciências, em que a prerrogativa do pensamento está agora pautada no puro sujeito.
Desta feita, enquanto que para Descartes a dúvida metódica descarta qualquer possibilidade de conferir verdade aos objetos da experiência sensível, em Husserl tais “revelações” são postas entre parênteses, ou melhor, suspensas e retiradas de uma realidade vista como essencial, passando a ter um significado baseado no próprio indivíduo. Por conseguinte, a atitude de epoché, caracterizada pela fenomenologia como sendo a “contemplação desinteressada” sobre um dado objeto e/ou situação, nada mais é do que um modo de questionar a realidade, criticá-la e colocá-la permanentemente em dúvida, em contraposição à dúvida provisória proposta por Descartes que primeiro duvida para depois chegar à certeza, indubitável, do cogito e do eu penso.
Esse posicionamento, portanto, ligado à epoché é algo interno ao indivíduo. Sendo o sujeito então o detentor de uma verdade evidenciada na mera intuição, a qual não visa depreender o em si das coisas ou revelar o caráter enganador e aparente da experiência, mas o de ser sempre consciência de algo; isto é, de algo que tenha a sua objetividade definida por meio de um ato da consciência (julgamentos, imagens, relações, atitudes, pensamentos, sentimentos, memórias, eventos, etc.).
Assim, para Husserl, a redução fenomenológica, ou a redução à ideia (ou, melhor dizendo, a restrição do conhecimento ao puro fenômeno de uma experiência que se dá na consciência), é todo ato da consciência que visa identificar não o “objeto em si”, mas o modo como o objeto se apresenta e se revela ao indivíduo. A ideia aqui é a de tentar descrever as vivências (dos indivíduos), entendendo essa questão como tendo uma dupla vinculação: de um lado, uma vivência que é capaz de se apropriar das coisas do mundo e que se baseia em aspectos do mundo sensível; e, por outro lado, de uma vivência que concebe e qualifica essa mesma experiência, dando-lhe certa definição, categorizando-a, atribuindo-lhe uma “essência” que é de ordem intuitiva. Noutras palavras, tudo o que podemos saber a respeito do mundo resume-se a esses fenômenos, a esses objetos apreendidos intuitivamente e que só existem na mente, os quais são os responsáveis em d(o)ar sentido e significado às coisas que estão à nossa volta.
Em síntese, referindo-se a esse seu método de investigação filosófica, também denominada de fenomenologia, Husserl comenta o seguinte: “(…) a toda visada psíquica corresponde, pela via da redução fenomenológica, um fenômeno puro que revela sua essência imanente (tomada individualmente) como dado absoluto”. E, ainda, aponta para o fato de que: “Eu, o ‘eu humano’ reduzido (‘o eu psicofísico’), sou, portanto constituído como membro do ‘mundo’, com uma ‘exterioridade’ múltipla; mas sou eu que constituo tudo isto, eu mesmo, na minha alma, eu carrego tudo isto em mim como objeto de minhas ‘intenções’”. Além de defender e de sustentar a tese de que: “Toda intuição doadora originária é uma fonte de legitimação do conhecimento, tudo que nos é oferecido originariamente na ‘intuição’ (por assim dizer, em sua efetividade de carne e osso) deve ser simplesmente tomado tal como ele se dá, mas também apenas nos limites dentro dos quais ele se dá”. Pois, que, para o dito filósofo: “a consciência é sempre consciência de alguma coisa” e “o objeto é sempre objeto para uma consciência”.