A figura dos filósofos está sempre ligada a semblante sério. Velhos rabugentos ensinam repetidamente que, para se atingir a felicidade, é preciso ser burro ou ignorante. Repetem que a real inteligência traz infelicidade, como um carma que condena e corrói. Discípulos fiéis das rabugices filosóficas passam anos crendo que devem escolher entre ser felizes ou inteligentes, fingindo maus humores estratégicos que denunciam uma sapiência pungente, lançando olhares de tédio que comprovam o alto grau de discernimento e repetindo dezenas de vezes que aquele riso espontâneo nada mais é do que um lapso de inconsciência, uma recaída de estupidez. Afinal, desde Adão e Eva, o fruto do conhecimento do bem e do mal conduz à desgraça infinita.
Queria ver um velho sábio achar uma nota de cem perdida no bolso, intocada, mesmo depois de a calça ter passado pela máquina. Queria vê-lo acordar de madrugada e descobrir que ainda pode dormir algumas horas. Queria vê-lo fazer xixi depois de segurar por um bom tempo. Em lampejo de atrevimento, queria mesmo era vê-lo no instante do gozo de um sexo bem feito. São momentos em que qualquer filosofia cede lugar a um breve segundo de alegria involuída, à centelha de uma humanidade condenada a caminhar eternamente na corda bamba entre ser ou não ser.
Velhos sábios e seus fiéis veem o mundo como um determinismo estoico, pelo qual se passa tomando chutes e pontapés de todos os lados. Num grande círculo vicioso de infernos coletivos e particulares, a compreensão das maldades e feiuras humanas nos tornaria, então, vítimas de nós mesmos. Insuperável. Insuportável. Inescapável. Um eterno prenúncio da morte.
Velhos sábios e seus fiéis negariam, mas há algo de feliz em escolher ser rabugento. Tão certas quanto a morte — o mais democrático de todos os fenômenos — as escolhas também trazem um grau de conforto, ainda que soem absurdas aos ouvidos alheios. Existe uma chama tímida de conformismo feliz naquele que escolhe ser melancólico, naquele que mira o mar num fim de tarde ameno, entregando à ressaca das ondas gargalhadas que nunca deu. Há algum charme no discípulo do rabugento, que enxerga em seu ídolo a alegria de negar a alegria.
Felicidade é uma música de fundo que, sutil, por vezes é notada e faz sentido, mas por vezes passa humilde e deixa apenas um sentimento de bem-estar. Dispensa elucubrações e, até nos mais abandonados vilarejos deste mundo de meu Deus, encontra corações.
É bem verdade que a morte é uma grande prova de democracia que, comum a todos, nos conduz à certeza da brevidade e da pequenez. Mas que prepotente sapiência é essa que nos condena à morte, antes que ela mesma venha nos buscar?