Barbie é melhor do que Oppenheimer e se você discorda significa que é um pedante que não entende nada de cinema

Barbie é melhor do que Oppenheimer e se você discorda significa que é um pedante que não entende nada de cinema

Meninas e meninos, eu entrei na onda Barbieheimer. Assisti “Oppenheimer” e “Barbie”, nesta ordem, e posso garantir que o filme da boneca loira é melhor do que o filme do bebê chorão que fez a bomba. Sim, tenho plena consciência de que essa é uma afirmação polêmica, mas assumo toda responsabilidade por ela. Sei que os cinéfilos PIMBA (Pseudointelectuais metidos a besta) vão gritar, ranger dentes, rasgar suas vestes hipsters, jogar poeira na cabeça e gritar: “Heresia! Peguem suas tochas!”. Não estou preocupado. O fato é que Nolan errou com “Oppenheimer”, enquanto Greta Gerwig fez um ótimo feijão com arroz em panelinhas de plástico com sua “Barbie”.

“Oppenheimer” padece de um gigantismo pretensioso que cega Nolan há tempos. O mesmo mal que acometeu “Interestelar” e “Tenet” e por um triz não estragou o bom “A Origem” e o ótimo “Dunkirk”. O fato é que Nolan cansou de ser sexy e quer ser gênio. Quer arrombar a porta para entrar no panteão dos gigantes. Para ele, aparentemente, a fórmula da genialidade está em contar histórias de maneiras deliberadamente confusas, indo e vindo no tempo, filmadas de maneira peculiar e colocando algumas cenas em preto e branco só para garantir. Justo ele, que foi brilhantemente não linear e perfeitamente compreensível em “Amnésia”, lançado no ano 2000. Mais de duas décadas e três Batmans depois, o que restou foi um dublê de Terrence Malick que substituiu a contemplação por explosões chiques (não confundir com as explosões cafonas de Michael Bay).

Nolan tornou-se um produto importante para a indústria do cinema. É o cineasta que faz filmes “inteligentes” para o público que se considera “inteligente”, sem perder de vista o objetivo de fazer boas bilheterias junto ao público médio. Ou seja, Nolan não quer ser um simples diretor vanguardista que passeia pelos circuitos dos festivais de cinema de arte. Ele quer ser uma mistura de Kubrick, Spielberg e Coppola. Emula o vanguardismo do primeiro, o domínio emocional sobre a plateia do segundo e o profundo senso de humanidade do terceiro. O problema é que, atualmente, esse não parece ser um projeto estético. Lembra mais uma programação de carreira. Nolan telegrafa suas altas pretensões como quem pavimenta uma estrada de tijolos amarelos para a própria glória.

Mas “Oppenheimer” é ruim? Não, não chega a tanto, é mediano. Mas seus defeitos são tantos e tão evidentes que me surpreende os adoradores de Nolan não perceberem que o rei está nu. O problema mais evidente é o foco narrativo principal. “Oppenheimer” não é sobre o complexo, épico e trágico processo de construção da bomba atômica. Esse é apenas um dos episódios.

Basicamente, todas as idas e vindas no tempo levam o protagonista para o momento em que ele está dando um depoimento em um processo que acabou por retirar sua credencial de segurança. Ou seja, as mais de três horas do filme servem para mostrar como um grande homem perdeu seu crachá VIP. Comparando, seria equivalente a fazer um filme sobre o Pelé e optar por enfocar o período em que foi ministro dos Esportes de FHC, ao invés de destacar seus grandes feitos esportivos. As Copas do Mundo e os mil gols seriam citados de passagem. Edson, que não é mais Pelé, ficaria o tempo todo passando informações do ministério para o presidente.

O roteiro de “Oppenheimer” é irritantemente repetitivo. Em um momento, alguém pergunta para ele: “você é comunista?”. Corta para algum evento do passado. Alguns minutos depois volta o interrogatório: “acho que você é comunista, sim”. Corta para mais um evento que deveria ser mais bem explorado, mas dura pouco tempo na tela. Retorna a sabatina: “fala a verdade, você é comunista, eu sei”. Esse eterno retorno dura a projeção inteira. Nolan esqueceu o que é a arte da síntese? Dizer muito com pouco. Prefere o “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”?

Por falar em esquecer, aparentemente Nolan resolveu filmar como se tivesse acabado de sair da faculdade de cinema. O filme é praticamente inteiro composto por tomadas de plano e contra plano, alguns planos médios e umas panorâmicas para mostrar que a produção tinha drones. Não entendi por que um filme composto quase pela metade só de closes precisava ser captado com câmeras IMAX. Qual o sentido estético disso? Para todos poderem ver os poros do Cillian Murphy? Tentar ver pelo menos, porque a edição do filme é tão picotada que poucas tomadas duram mais do que alguns segundos. Quando começa a olhar, já foi. Essa opção pela velocidade cênica prejudicou muito o senso de dramaturgia das cenas. Quase nada é desenvolvido. Poucas passagens são memoráveis. Uma das exceções é a conversa entre Oppenheimer e Truman, na qual o presidente chama o cientista cheio de culpa de “bebê chorão”. Se todo o filme fosse neste nível, teríamos uma obra-prima e Nolan poderia ser consagrado definitivamente como gênio.

Infelizmente, as escolhas erradas se sucedem: na direção, na edição, no roteiro, na mixagem de som, na trilha sonora invasiva. Os personagens são muito mal trabalhados, inclusive o protagonista, apesar de todo seu tempo de tela e dos esforços de Cillian Murphy. Por exemplo, em momento algum fica claro os motivos que levaram ao antagonismo entre Oppenheimer e o político Lewis Strauss, interpretado brilhantemente por Robert Downey Jr. Aparentemente, encontraram-se apenas algumas vezes. Por que se tornaram inimigos? Não sei. Isso enfraquece muito a revelação de que Strauss é o “vilão” do filme. A cena, que deveria ser impactante, não passou de um “quem se importa?”. Ao mesmo tempo, a representação de Einstein não é menos que ridícula: um Mestre Yoda com sotaque alemão.

E o que são aquelas microexplosões que pipocam na tela o tempo todo? Se representam a concepção mental do que um cientista imagina ser o universo atômico, é decepcionante. Imagens óbvias demais. Nolan deveria dar mais crédito à imaginação de seu protagonista e ao senso crítico do público. A cena em que Oppenheimer e sua amante fazem sexo na sala de interrogatório, como forma de representar o desnudar público do cientista, é de um primarismo constrangedor. Zero sutileza. Parece ter sido concebida por um seminarista que decidiu fazer curso de cinema. Para ele, nudez e sexo ainda são chocantes. Eu aviso ou você avisa?

Se for para ser explícito e sem sutileza, a invasão kitsch rosa de “Barbie” é muito melhor. Com todo seu artificialismo, a Barbilândia parece mais viva que Los Alamos. Na verdade, só a sequência inicial, que faz alusão a “2001, Uma Odisseia no Espaço”, já é mais criativa, arrojada e divertida que o sonolento filme de Nolan.

Nolan errou até no que deveria ser o clímax apoteótico da obra: a explosão da bomba atômica do teste Trinity. Foi anunciado que o cineasta provocou e registrou uma gigantesca explosão real. Parabéns para ele, mas ficou decepcionante na tela. Nesta altura da carreira, Nolan deveria saber que nem sempre o realismo absoluto é a melhor opção dramática. Ele faz ficção, não documentário.

Apesar de tudo, entendo o que Nolan queria realizar. Seu objetivo era fazer uma reflexão sobre a Síndrome de Frankenstein, a noção de que o ser humano é capaz de conceber monstros terríveis que podem destruir seus criadores. A ideia está lá, mas a pretensão e a sucessão de escolhas erradas enfraqueceram o resultado, mesmo que o produto esteja bem embalado para agradar àqueles já propensos a gostar.

Se “Oppenheimer” é sobre Frankenstein, “Barbie” é sobre Pinóquio: a boneca de plástico que se torna uma menina de verdade. Claro, o filme de Greta Gerwig não é perfeito. Há várias inconsistências narrativas e personagens desnecessários, como a trupe de executivos bobalhões. Mas nada disso impede que os objetivos narrativos sejam alcançados. Tudo funciona dentro de uma esfera aceitável de suspensão de descrença, da idiotice infinita de Ken ao caminho psicodélico da Barbilândia até o mundo real.

A prova da qualidade de “Barbie” é que politizaram o filme. A esquerda o acusa de não ser suficientemente engajado e de reforçar estereótipos. Não entenderam a proposta irônica da diretora. A direita considera o filme “lacrador” e uma forma de doutrinação esquerdista para as crianças, acusando-o de empoderar a Barbie. Fico me perguntando: se a Barbie não for “empoderada” em seu próprio filme, onde será? Chatos não passarão! Todo poder para Margot Robbie! “Dêem um taco de beisebol para essa mulher”.

O fato é que “Barbie” tornou-se um fenômeno cultural, já entrou para o imaginário. Há pelo menos duas ou três cenas icônicas que, com certeza, serão lembradas em futuras cerimônias do Oscar. Provavelmente, será estragado com continuações desnecessárias. Mas isso é outra história.

E quanto a “Oppenheimer”? Acredito que será lembrado como uma obra menor na filmografia de Nolan, assim como “O Grande Truque” e “Insônia”. Nolan ainda será reconhecido como o grande gênio que almeja ser. Na verdade, já o foi, e com toda justiça, com o segundo filme da trilogia do Batman. Nolan foi gênio com “O Cavaleiro das Trevas”. Depois dessa obra-prima, assim como seu Coringa icônico, tornou-se um agente do caos: um cão que persegue carros furiosamente, mas que não sabe o que fazer quando os alcança.


Barbie
Diretora: Greta Gerwig
Gênero: comédia
Impacto cultural: 9/10
Nota: 8/10


Oppenheimer
Diretor: Christopher Nolan
Gênero: filme pretensamente genial do Nolan
Impacto cultural: 5/10
Nota: 7/10

Ademir Luiz

É doutor em História e pós-doutor em poéticas visuais.